Já se tornou lugar-comum dizer que os estúdios de animação demonstram querer agradar a um número maior de adultos a cada filme. Para tanto, utilizam-se de personagens, piadas, cenários, temáticas – assim como de toda sorte de recursos disponíveis – sempre mais abrangentes, que possam ser apreciados por diferentes gerações com a mesma intensidade. Agora, com UP –Altas Aventuras, a marca volta a apostar em sentimentos nem sempre tão bem compreendidos por quem ainda viveu tão pouco.
O filme dirigido por Pete Docter (Monstros S.A.), começa contando em poucos minutos como Carl Fredricksen (dublado na versão brasileira por Chico Anysio) e Ellie se conheceram, casaram-se e viveram juntos harmoniosamente durante décadas; tudo sem falas, apenas embalado pela bela trilha de Michael Giacchino (de Ratatouille e Star Trek). Ainda crianças, os dois possuíam em comum o gosto por aventuras e o ídolo, o corajoso explorador de terras Charles Muntz. Quando jovens, o casal planejou uma longa viagem à América do Sul, mais especificamente às Cataratas do Paraíso. Mas, por força do destino, a dupla nunca pôde realizar seu maior sonho. Então Ellie falece, deixando sozinho um rabugento e introspectivo Carl. Com a morte da esposa e uma sucessão de acontecimentos que o obrigariam a deixar sua casa para viver em um asilo, Carl decide finalmente partir para a viagem sempre planejada e jamais executada. Para seu desgosto, acidentalmente leva consigo o pequeno escoteiro Russell. O veículo para a aventura é a grande atração: a própria casa do velhinho, sustentada por milhares de balões coloridos e controlada por um sistema de roldanas e panos que resultam numa “casa voadora à vela.
A relação contrastante entre Carl e Russell renderia um belo quadro barroco. Enquanto o velho viúvo prefere pouca ou nenhuma conversa, o garoto, determinado a conseguir sua última medalha de escoteiro por favores prestados a idosos, é falante, extrovertido e superativo. Russell vê tudo com o entusiasmo de uma criança começando uma vida de aventuras; Carl dificilmente se desarma para o mundo, é apegado melancolicamente a um passado que não volta mais. O que une os dois é uma tocante solidão. O sentimento é bem disfarçado pelo garoto, que demonstra uma comovente necessidade da presença do pai e sequer tem mãe. Já Carl está obviamente preso à saudade que sente de Ellie, sua única companhia durante toda a vida. Toda essa atmosfera de carência inerente aos personagens torna-os criaturas de uma complexidade ímpar no gênero e os une a cada minuto de projeção. Para abrilhantar o elenco da animação, entram em cena Kevin, uma bela e gigante ave com quem Russell logo simpatiza, e o cachorro Dug, responsável por trazer mais comédia à aventura.
Ao final do filme, fica claro qual era a maior e mais importante aventura de Carl. Ao contrário do que ele imaginava, não era chegar às cataratas. O tema, inclusive, já foi explorado pela própria Pixar em Carros (2006), mas UP não chega sequer perto de parecer repetitivo. UP é mais melancólico e muito mais maduro, capaz de agradar tanto às crianças que desejam rir de personagens mais engraçados, quanto aos adultos que já viveram boa parte de sua vida e compartilham de alguma parcela da melancolia que ronda Carl, sua casa e suas lembranças. A nova proposta da Pixar é capaz de nos fazer repensar nossas relações com o próximo e os sentimentos que nos fecham para tantas descobertas. Independente da idade que se tenha, é possível escolher o entusiasmo de uma criança disposta a descobrir o mundo ou deixar limitar-se por uma instrospecção pronta a recusar novas experiências. Curtir UP é umas das boas.
pipocacombo.com.br
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