"Ilusões são mentiras que revelam verdades..."
Uma coisa que deve ficar clara à qualquer espectador ao assistir esta nova versão de Luca Guadanigno para o clássico do cinema de horror Suspiria (1977), de Dario Argento, é o fato de tratar-se de uma abordagem completamente distinta, de acordo com a visão autoral de seu novo realizador. Esqueça o visual estilizado, com cores vibrantes e saturadas, direção de arte expressionista e trilha sonora pesada e intrusiva. Mas vale frisar que a essência da obra foi respeitada, inclusive com reimaginações muito bem-vindas de situações e personagens importantes do longa original.
A estória já é conhecida dos fãs de Suspiria. Susie Bannon (Dakota Johnson) acaba de chegar da América para estudar numa conceituada escola de dança alemã, sendo esta regida por Madame Blanc (Tilda Swinton), que comanda o local instruindo suas alunas com extrema disciplina e rigidez, embora seja bastante querida pelo talento e afeto que aplica em seus ensinamentos. Nesta nova versão, o segredo de todas as professoras do local serem bruxas já é revelado logo de início, e isto acaba afetando diretamente os acontecimentos e nossa relação com a protagonista, aqui muito mais misteriosa e segura de si, numa jornada bem diferente da versão anterior.
Vale destacar o roteiro muito mais complexo e repleto de camadas, numa interessante analogia ao conturbado momento político que vivia o país naquele período, o uso metafórico sobre o poder feminino, além de contar com personagens tridimensionais e que vão muito além de uma primeira impressão. Tilda Swinton (parceira habitual de Guadanigno) rouba a cena mais vez, interpretando três personagens distintos (que não revelarei quais são), provando o porquê de ser considerada uma das melhores atrizes em atividade. Dakota Johnson não desaponta e convence como Susie Bannion, seja nas complexas cenas de dança ou na transformação pela qual sua personagem passa. Mia Goth talvez seja o personagem com o qual o público mais se identificará, que defende Sara com uma doçura e sensibilidade exemplares. Angela Winkler e Ingrid Caven merecem serem citadas também, com personagens que assustam pelo simples olhar. Jessica Harper faz uma ponta de luxo, num momento muito bonito em que o espectador tem uma breve pausa no horror que presenciou até ali e que chegará ao limite até seu insano desfecho.
O visual do filme apresenta cores com tons mais escuros e dessaturados, sendo este mais frio e desolador, reservando o uso de cores intensas para momentos-chave da projeção. A fotografia tem forte influência das produções setentistas, com enquadramentos precisos (como o uso do "zap zoom", tão característico do período), além de valorizar superfícies reflexivas (que representam a moral dúbia das personagens). A maquiagem impressiona pelo realismo e minimalismo e a trilha sonora de Thom Yorke é muito mais sutil e incidental do que rock pesado e progressivo dos Globins, talvez para se adequar à abordagem mais sóbria de Guadanigno.
Alguns afirmam que esta nova versão é desnecessária, tendo em vista o valor cultural e cinematográfico da obra de Argento (datada em alguns aspectos, mas ainda assustadora e funcional), porém esta mostra o seu valor a partir do momento que presta uma homagem ao original, expande seu universo, apresenta novas camadas aos personagens e consegue assustar utilizando novas ferramentas e artifícios, como na agoniante sequência de assassinato envolvendo movimentos de dança contemporânea. Original, intenso, provocativo e autoral, Suspiria (2018) é o melhor filme de horror do ano (ao lado de Hereditário), além de ser (quase) tão bom e assustador quanto o clássico original, com poucos deslizes, como o excesso de pretensão, que acaba incomodando um pouco.
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