"Sabe o que eu acho? Eu acho que todos nós estamos em nossas próprias armadilhas, presos nelas, e nenhum de nós consegue sair. Nós usamos nossas garras e unhas, mas apenas no ar, umas com as outras. E por tudo isto, nunca mudamos nosso modo de agir." (Norman Bates)
Gus Van Sant já era um cineasta consolidado em Hollywood quando teve a oportunidade de comandar o remake de Psicose (1960) para o cinema, principalmente depois de Gênio Indomável (1997), seu maior sucesso de público e crítica. Fã confesso da icônica obra-prima de Alfred Hitchcock, Van Sant assumiu que seu maior apreço pela obra original devia-se ao fato deste centrar-se em figuras marginalizadas da sociedade, envoltos em situações pouco ortodoxas, onde parecem não ter uma luz no fim do túnel, desesperados por um ideal de felicidade inalcançável, exatamente como seus filmes independentes e mais autorais faziam. Vale ressaltar que quando a obra fora lançada, o gênero de terror e suspense estava bastante desacreditado, mas que recebera um novo fôlego com produções como Pânico (1996) (um verdadeiro fenômeno) e Seven: Os Sete Crimes Capitais (1995), que colocou Fincher no mapa. Neste novo cenário, o cineasta teve bastante liberdade artística para realizar sua obra, e optou assim por realizar um releitura "quadro-a-quadro" do original, apenas atualizando o palco da ação, tornando-o colorido, além de algumas pequenas homenagens que somente os verdadeiros fãs perceberam.
Esta decisão mostrou-se bastante polêmica, e o público parece não ter embarcado na empreitada, assim como a crítica que tratou o projeto como uma afronta ao original. Van Sant afirmou que sua intenção era uma homenagem "pura e simplesmente" à obra adaptada, mantendo o mesmo roteiro, trilha, enquadramentos e narrativa. O que poucos perceberam foi que além disto, o cineasta inseriu na obra pequenos momentos em que Hitch fora impedido na época, seja pela rigorosa censura ou por limitações orçamentárias (momentos como o maravilhoso travelling inicial, o corpo esfaqueado de Marion na banheira, a masturbação de Bates, entre outros). É interessante notar também que o filme é uma realização propositalmente anacrônica. Percebam como a fotografia de Christopher Doyle brinca com filtros e efeitos para dar um ar de filme em preto-e-branco colorizado por computador. Os figurinos são excessivamente coloridos, a direção de arte saudosista, a trilha instrumental e o texto bastante formal. E Van Sant insere estes elementos clássicos mesmo com a trama passando-se em 1998, quase quarenta anos depois do antecessor.
A escalação do elenco é bastante característica do cinema de Van Sant, encabeçado por figuras polêmicas como Anne Heche (bissexual assumida) que assume o papel de Marion Crane com competência, longe do peso dramático de Janet Leigh, é verdade, mas com um cinismo e sensualidade exemplares. Vince Vaughn, muito criticado, talvez por que substituíra Antony Perkins, ator que imortalizou o lendário Norman Bates no imaginário popular, apresenta uma versão mais afetada do personagem e que transmite desconfiança desde o princípio, talvez porque o cineasta acreditou que todos conhecessem a estória, o que fica comprovado no interessante, porém arriscado trailer de divulgação. Juliane Moore, Viggo Mortensen e Willian H. Macy completam o elenco principal, com boas atuações, principalmente o último, que rouba a cena quando aparece.
A visão mais suja, polêmica e visceral do diretor pode ser percebida também, mesmo que bastante discreta, dado as amarras do material original. Um elemento subliminar discreto, mas muito eficiente utilizado nesta versão é o som, que intensifica a atmosfera naturalmente bizarra da situação retratada. Além deste artifício, o cineasta recorre também a imagens perturbadoras inseridas em ritmo de videoclipe nas sequências de assassinato, o que mostrou-se desnecessário, visto diluírem parte da tensão destes momentos. O que tem que ficar claro, no entanto, é que o original segue imbatível e mais genial do que nunca, restando a esta versão uma singela homenagem de um fã incondicional, com alguns tropeços, mas para aqueles que entenderem e se identificarem com a visão de Gus Van Sant, podem deliciar-se com esta brincadeira arriscada de um profissional autoral em plena forma.
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