"Este talvez seja o filme mais aterrorizante que já fiz..."
(Alfred Hitchcock).
Alfred Hitchcock já era o nome mais famoso da indústria quando lançou aquele que seria o maior sucesso de sua brilhante carreira, Psicose (1960), que redefiniu o cinema da época, com sua extrema ousadia, seja na estética, forma ou conteúdo. Psicose era diferente de tudo que o cineasta havia realizado até então, o que acabou por criar dois públicos distintos de fãs, os mais antigos, que gostavam do estilo mais discreto e sofisticado do cineasta e um novo, ávido por mais sexo e violência.
Com este grande desafio pela frente, Hitchcock optou pelo caminho mais dificil e lançou este que seria o seu projeto mais ambicioso até então, Os Pássaros (1963), uma estória de terror apocalíptica em que seres outrora inofensivos se revoltam contra a humanidade na cidade litorânea de Bodega Bay. O filme é uma adaptação de um conto de Daphne Du Maurier (autora de Rebecca, primeiro trabalho do Hitch em Hollywood) em que apenas o título e a ideia central foram mantidos. Hitch desejava que Joseph Stephano (Psicose) fosse o roteirista, mas este recusou por achar a estória simples demais. O roteiro acabou nas mãos de Evan Hunter, que realizou um trabalho excepcional. Uma das exigências de Hitch foi de que não houvesse uma explicação para os ataques, visto que assim o terror seria mais genuíno, pois sempre tememos mais aquilo que não compreendemos.
O elenco é perfeito e parece ter nascido para os seus respectivos papeis. Tippi Hedren que era modelo na época, foi escolhida a dedo por Hitchcock e sua esposa, após ser vista em um comercial de bebida diet (a cena inicial é um referência a isto, em que uma criança assovia para ela). A atriz se dedicou bastante ao papel e convence como a espirituosa socialite Melanie Daniels. Dizem que a cena em que é atacada por pássaros no sótão da casa dos Brenner levou uma semana para ser realizada, o que acabou por levá-la a exaustão, ficando uma semana internada para recuperação. Rod Taylor interpreta Mitch Brenner com a presença e o carisma ideal para conquistar a simpatia do público. Do elenco coadjuvante temos grandes presenças também, como Suzanne Pleshette, Veronica Cartwright e Jessica Tandy, como a possessiva Lydia, mãe de Mitch.
A parte técnica da produção beira a perfeição. Os excepcionais efeitos especiais (indicados ao Oscar) são de um brilhantismo exemplar. Muitas técnicas foram utilizadas para se chegar ao resultado final, desde chroma key por vapor de sódio, pássaros treinados, mecânicos e empalhados, truques de montagem e fotografia, entre outros. Algumas cenas como a do posto de gasolina são a prova do trabalho genial do cineasta e de sua talentosa equipe. O trabalho de som é sublime também, onde enormes sintetizadores foram utilizados para recriar os grunhidos e o bater de asas dos pássaros, que combinados criam uma sinfonia macabra e arrepiante. Bernard Hermann aconselhou Hitch a não utilizar uma trilha convencional, visto que esta tornaria a tensão insuportável, além de desviar a atenção do público. Hermann participou apenas como consultor de som aqui.
Este talvez seja o filme mais experimental do Hitchcock (ao lado de Festim Diabólico, Psicose e Um Corpo que Cai) e foi concebido para ser sua grande obra-prima. O cineasta ousou bastante na narrativa, com diversas passagens mudas, numa verdadeira homenagem ao cinema expressionista alemão (sua principal inspiração foi F. W. Murnau), trilha sonora ausente, cenas de ataque diurnas, desenvolvimento psicológico dos personagens e um plot que nas mãos de outro cineasta poderia soar ridículo ou sem sentido. Sem falar que é um dos filmes mais caros de sua filmografia e a chance de um fracasso comercial era bastante grande, o que felizmente não aconteceu.
Apesar de suas inúmeras qualidades, o filme não foi bem recebido na época de seu lançamento e não foi o sucesso esperado. A crítica norte-americana considerou o filme apático e não comprou sua ideia central, assim como o público, que ficou desapontado por este não superar Psicose. Na Europa porém, recebeu diversas críticas positivas, sendo a mais emblemática a série de entrevistas concedidas ao cineasta francês François Truffaut (seu fã assumido) no final dos anos 60, que deram o status de obra-prima ao projeto. Os Pássaros é hoje considerado um dos melhores filmes de terror e suspense do cinema, visto que foge dos clichês, artifícios e maniqueísmos típicos do gênero, apresentando uma experiência marcante, tensa e original, com elementos do horror em seu estado mais puro.
Um dos meus favoritos dele. Clima tenso demais.
Que maravilha de texto, Luiz! Informativo, conciso, sem redundâncias e com um ritmo fácil de se acompanhar. Lembro da primeira vez que assisti, ainda moleque - sendo esse o primeiro do Grande Mestre que eu vi. Foi na quase extinta Sessão de Gala. Quando vi a sinopse, achei ridículo e assisti só de curioso mesmo. Quando li o nome de Alfred Hitchcock (pois o nome todo mundo conhece) já mudei minhas expectativas e tive o prazer de, ainda criança, uma das maiores obras-primas de todos os tempos do cinema.
Valeu Christian. 😁