A concepção de família perfeita é vez ou outra abordada em filmes americanos de caráter infantil. Enquanto isso, parece que películas independentes de custo baixo, já optam por mostrar a realidade nada floral dos conflitos familiares.
Em "A casa de Alice" não é diferente. Aqui é demonstrado exatamente o cotidiano de uma família problemática. Tema este pouco explorado no cinema nacional.
Neste filme de Chico Teixeira, não vemos uma estória concreta, com um objetivo certo, nem sequer uma mensagem definida. Não vemos solução de nada, nem julgamentos, muito menos apologia a alguma coisa. O filme é simplesmente um retrato cru e assustadoramente real de uma família suburbana brasileira.
Alice não é exatamente uma protagonista, mas sim um ponto de referência. Sua casa, a rotina da família, costumes, trejeitos, distintas personalidades, relacionamento, tudo é mostrado no filme sem um foco, entretanto, tudo é muito bem explanado, tornando o clima angustiantemente verossímil.
Impossível não se identificar com algo no filme em algum momento. Constantemente somos apresentados à situações já conhecidas no âmbito famíliar, mas que são pouco pronunciadas. É como se fosse a revelação do que há de mais obscuro no comportamento de qualquer família.
Carla Ribas dá intensidade à Alice. Sua interpretação está nitidamente compenetrada e convincente.
Alice vive de forma silenciosa muitos dos conflitos que uma mãe de família possa enfrentar. Ela presencia a ruína de seu casamento, mesmo lutando pelo contrário; o fracasso de sua autoridade maternal para com os filhos já rapazes; entre outras situações em que ela, sem controle, se encontra. Por fim, como uma espécie de refúgio, resta para ela a presença de suas colegas de trabalho do salão de beleza, e a companhia de sua introspectiva mãe, que vive à espreita de tudo o que está ocorrendo.
E por falar na mãe, esta por não ter outro recurso, convive, totalmente desconfortável, com a indiferença e a dependência doméstica dos netos e do genro, em meio a uma solidão mais do que subjetiva. Um trabalho de primeira feito por Berta Zemel.
O filme é sem dúvida bom, não por ter uma estória envolvente, mas por ser a projeção mais realista que já vi. Não se vê ali atores, mas pessoas comuns.
Uma casa composta de pai, mãe, avó e três filhos, que ao invés de fortalecer a estrutura, simplesmente resulta-se num ambiente depressivo e inóspito.
Os personagens estão mais próximos de nós do que imaginamos. Qualquer produção Hollywoodiana seria incapaz de retratar uma atmosfera tão natural como foi feito em "Alice".
Com certeza, "A casa de Alice" não é um mero entretenimento. O espectador fica incomodado com a falta de esperança que é apresentada no roteiro. E ainda assim, a trama é surpreendente!
É o tipo de filme para se ver apenas uma vez, e então, refletir sobre todos os aspectos da vida, buscando, quem sabe, desviar-se de tudo que foi apresentado ali.
Vinicius Zinn, como o filho mais velho Lucas, foi o grande achado do filme. Dono de um talento visível, ele hoje se aventura numa série brasileira da TV paga, ironicamente entitulada de "Alice" (que não tem nada a ver com o filme).
Como um apanhado geral, o filme apresenta com sutileza, a pedofilia, o incesto, o machismo, e a prostituição, porém, de forma mais gritante, somos deparados com a traição, os roubos familiares, a intolerância, a hipocrisia e o egoismo. Tudo presente em apenas uma família...
... que poderia ser a de qualquer um.
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