“Pro dia nascer feliz” é um documentário brasileiro lançado no ano de 2006 e dirigido pelo conhecido diretor João Jardim. O filme apresenta a realidade das escolas e dos estudantes em distintas regiões do Brasil, abordando por meio dessa distinção de vivências a pluralidade que existe na relação dos alunos, dos professores, dos contextos sociais e das escolas. O longa enfatiza, dentre outros temas, a desigualdade de condições para o acesso e permanência na escola; a falta de interesse dos alunos que resulta num descaso com o docente, evidenciando uma ruptura no âmbito disciplinar; a falta de interesse que acaba também atingindo os professores; a precariedade das condições de grande parte das escolas do Brasil e o levantamento de questões projetivas sobre o futuro da educação no país.
A câmera de João Jardim começa sua filmagem em uma das cidades mais pobres do Brasil: Manari, em Pernambuco. Mostra a realidade dos estudantes daquela pequena cidade, que no período de filmagem sequer tinha ensino médio. Tinham que deslocar mais de 30 km para estudar e ainda assim enfrentar os problemas inexoráveis da educação brasileira: o desinteresse da maior parte dos alunos e o cansaço dos professores. Desde Manari já fica evidente que há alunos que encontram possibilidades na escola muito além daquelas dispostas em sua realidade cotidiana. Muitos alunos têm um compromisso no estudo, por não ter muito além daquilo para viver bem. Da mesma forma ocorre com o aluno do colégio de Duque de Caxias no Rio de Janeiro, que por mais que fosse um sujeito indisciplinado na escola encontrava na banda da mesma uma possibilidade de se distanciar do contexto social violento em que vive.
“Pro dia nascer feliz” também destaca os problemas relacionados ao próprio sistema educativo. Enquanto para alguns indivíduos a escola proporciona oportunidades únicas, para muitos a escola é um ambiente desinteressante, desvalorizado e ultrapassado. Professores da escola de Itaquaquecetuba, abordada no documentário, não escondem seu descontentamento sobre os problemas da educação. “A escola está ultrapassada, não cumpre mais sua função. Lá fora é muito mais interessante”. Essa visão é uma antítese do que muitos jovens inseridos num contexto social precário encontram. Todavia, para a grande maioria a escola não cumpre o papel que deveria desempenhar com excelência.
O documentário também acerta por abordar mais de uma contexto socioeconômico. Mesmo alunos numa realidade mais privilegiada não estão livres de manifestações da angústia e de questionamentos sobre a forma que se dá a educação. O documentário mostra a realidade de estudantes do Colégio Santa Cruz, localizado no bairro Alto de Pinheiros, em São Paulo. Os próprios alunos entendem que vivem numa espécie de bolha, numa realidade privilegiada. Os principais problemas por eles vivenciados, em geral, não dizem respeito a uma sociedade anômica, mas sim a tensão proveniente de uma escola exigente demais, que cobra assaz do aluno. Nem mesmo esses estudantes dessa realidade privilegiada estão livres de um mal-estar presente na educação.
Os impasses demonstrados são múltiplos. Um depoimento marcante no longa é o da diretora da Escola Estadual Levi Carneiro, localizada na periferia de São Paulo. Para ela, a escola é o reflexo da sociedade. Uma sociedade caótica, indiferente, injusta e anômica. Os resultados dessa sociedade nos jovens são praticamente inevitáveis. Segundo a diretora, “a vida desses jovens é tão dura, tão sem graça, tão difícil, que tanto faz eles morrerem ou serem reclusos”. Eles não têm o que perder, para eles tanto faz. O reflexo da anomia e de suas consequências na subjetividade do jovem é demonstrado também no depoimento de alguns jovens do documentário, que de certa forma justificam a vida que levam ao fazer a comparação que até os políticos roubam. “Roubam milhões e não são presos. Estão apenas colhendo o que eles plantaram”.
Em suma, o documentário traz uma série de reflexões sobre o sistema de educação do Brasil. Um país continental que enfrenta num primeiro momento problemas na própria estruturação do sistema. Faltam alunos, faltam professores, faltam recursos. Aqueles que estão inseridos nesse sistema desigual, acabam trazendo consigo sofrimentos que são psicossociais. Problemas que surgem da própria desigualdade, da opressão, da anomia, e que surgem também da própria exigência da escola. João Jardim, retrata de forma competente todas essas nuances e deixa claro um certo ponto de vista de que tem esperança em dias melhores para o estudante, para o professor e para a escola do Brasil.
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