A aventura (L’Avventura, 1960, 145 min), de Michelangelo Antonioni, começa com uma história trivial, sem surpresas. Nesse momento, chegamos a acreditar que estamos diante de um filme comum. Quando um grupo de ricos sai de férias em um cruzeiro, Anna (Lea Massari) desaparece logo após inventar ter visto um tubarão no mar, para chamar a atenção do namorado Sandro (Gabriele Forseti). Nunca saberemos o futuro da personagem sumida.
A partir do desaparecimento, o gênio italiano desenvolve uma narrativa intensa e falsamente confusa. Enquanto acompanhamos a eterna busca por Anna, sua amiga Claudia (Monica Vitti) passa a ser tentada por Sandro. Ela não sabe como agir. A insegurança de Claudia é a mesma que sentimos por não sabermos em quem acreditar. Sandro é o tipo de homem que tenta conquistar todas as mulheres que tem oportunidade ou realmente passou a amar a amiga de Anna? Claudia tem receio por suas convicções ou por temer julgamentos alheios por estar se aproveitando da ausência?
A trilha é inconstante e flerta com a personalidade questionável de todas as personagens. Quando Claudia percebe que está sozinha na cama e sente falta de Sandro, ela parece, pela primeira vez, ser uma personagem de um filme qualquer, feito por um diretor nada mais que competente. A música acompanha essa impressão, em mais uma demonstração da rara sensibilidade do autor.
Ao mesmo tempo em que observamos as paisagens e os carros partindo, de longe, no melhor estilo Antonioni, ele nos aproxima da angústia de Claudia e Sandro, em uma interminável procura por Anna (Lea Massari), na qual eles parecem não querer encontrá-la, mas uma desculpa para ficarem juntos sem culpa.
A grandiosidade da película vai aparecendo sutilmente. Em alguns momentos, não podemos entender o que está acontecendo, mas somos convidados a participar. Para isso, Antonioni prolonga o sofrimento das personagens e arrasta a história de forma sufocante e angustiante. Quando segue na dúvida a respeito do que pensar sobre sua relação com Sandro, Claudia sussurra que “gostaria de ter as ideias claras de verdade”. “Nós também”, pensamos, atônitos diante de tamanha complexidade.
Os coadjuvantes também têm participações importantes e fortes, como Patrizia (Esmeralda Ruspoli), que cansada da mesmice do seu relacionamento, diz, antes de transar com um jovem artista que acabara de encontrar: “Se encontrar Conrado (seu namorado), diga que meu coração está batendo forte, forte, forte. E, por ora, esta é a única coisa que me interessa”; e a amante de Sandro (Gloria Perkins), que pede, de forma romântica, uma “pequena lembrança” do caso que tivera com ele e recebe duas notas de dinheiro como resposta.
Ao final, somos premiados pela magia da sétima arte. Contemplamos a conclusão da história que nos é apresentada sem nenhuma palavra, mas com movimentos lentos e simbólicos, através de uma fotografia impecável. Tudo fica claro. O que parecia confusão era simplesmente uma charada feita por um diretor com enorme conhecimento sobre seu trabalho e que soube exatamente até onde poderia ir.
Antonioni nos insere em uma aventura de emoções e questionamentos, criando uma atmosfera inquietante, tirando-nos da zona de conforto e obrigando-nos a manter a atenção em todos os detalhes, certificando-nos que estamos diante de uma verdadeira obra de arte, não de um simples entretenimento.
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