A última obra que compõe uma trilogia inesquecível do grande mestre Ingmar Bergman.
Relembrando que faz parte da trilogia, Através de um espelho (1961), Luz de inverno (1962) e por último, este, O silêncio.
Os filmes de Bergman são de caráter psicológico, e com esse não é diferente. E a obra é toda silêncio, como o próprio título faz referencia, lento, feito de planos longos e quase nenhum diálogo. Nos primeiros minutos de filme nossos olhos devem ficar atentos às imagens fornecidas. Uma característica marcante nos filmes de Bergman, closer, a câmera capta magistralmente as feições, os rostos estão próximos de nós, as expressões são minuciosamente filmadas, já que as falas são raridade no filme, nós o sentimos através das imagens.
A trama gira em torno de três principais personagens, Anna e Ester, duas irmãs que têm uma complexa relação, e o filho de Anna, Johan. Personagens estes que só têm seus nomes mencionados, após quase uma hora de filme, até então, precisamos ficar atentos para conhecê-los. Os três estão viajando, mas devido algumas complicações na saúde de Éster são obrigados a fazerem uma parada na Suécia, e se hospedar num hotel numa pequena cidade. O calor da cidade incomoda Anna, que constantemente arruma uma desculpa para sair e dar umas voltas.
Temos nessa obra, como em tantas de Bergman, personagens complexos, solitários, angustiados, presos a algo, aprisionados em seus desejos, em suas almas, necessitando e buscando uma libertação para o vazio existencialista. O silêncio aqui é o silêncio da alma, que não se manifesta, é a necessidade de falar, de se libertar, o amor, a fraternidade, a dedicação, o gozo, os sentidos, tudo está em silêncio.
Johan é um garoto totalmente carente e solitário, vivia perambulando sozinho pelos corredores e saguões imensos do hotel. Anna tenta buscar no sexo, nos prazeres carnais sua fuga, seu modo de desprender-se do aprisionamento interior. Ester, uma tradutora que fala e entende tantas línguas estrangeiras não consegue se comunicar consigo mesma e com os que estão à sua volta. E por essa linha a trama vai se dissolver. Os ciúmes de Ester em ver Anna saindo com homens, Anna querendo fugir de Ester, talvez pelo medo de perde-la [por causa da doença] talvez por não querer admitir o amor, e Johan querendo a atenção da mãe que acaba encontrando em Ester.
O silêncio no filme às vezes é interrompido, em alguns momentos somos instigados por um barulho de “tic tac” de relógio ao fundo da trama. As cenas, os movimentos de câmera, e o posicionamento dos personagens são lentos e precisos, escuta-se um som por vez. Pela janela o garoto vê um tanque de guerra se aproximando pelas ruas, e só escuta o barulho de suas rodas. Em algum momento escuta-se numa vitrola o glorioso som de Bach, e nada mais. De vez em quando Johan brinca com uma arma de festim e o som seco do disparo, e assim, são poucos os ruídos que escutamos. Vemos um ventilador funcionando, portas se abrindo, torneira aberta, pessoas andando nas ruas, mas nada se ouve ou ouve-se muito pouco. Até mesmo o empregado do hotel, que por não entender nem falar a língua dos visitantes e vice-versa, não pronuncia palavra alguma alem de ruídos na tentativa da comunicação por gestos. A única palavra mencionada por ele, é o nome do compositor Johan Sebastian Bach. As únicas manifestações de som, são no cinema, e também quando Johan se depara com o quarto dos artistas de circo que estavam hospedados, eram todos anões e riam e se divertiam muito.
O que mais se houve durante o filme todo, são os gritos da alma das personagens, estas sim, querem falar, querem chorar, querem gritar, pedem socorro, desejam ser amadas, protegidas. E é um silêncio que incomoda o interlocutor, você consegue enxergar e até “ouvir” metaforicamente falando, o desespero das personagens daqui do lado de fora [do filme], e não consegue ouvi-las, é um silêncio desesperador, e é angustiante a prisão pessoal, o desejo de quebrar esse silêncio, o desejo de exprimir o inexprimível. E mais uma vez o excesso de portas e de janelas, os corredores imensos e escuros transmitem essa idéia de fuga, de busca. Somente no final, quando Johan e Anna estão no trem, esse silêncio é rompido por uma seqüência de ruídos diversos e estranhos, inclusive do trem.
É uma obra fantástica que com certeza pode despertar diversas interpretações diferentes, pois o silencio e a solidão são mais complexos do que nós mesmos possamos definir ou explicar. Como disse Ester no filme “não adianta discutir a solidão, é perda de tempo”.
Destaque para a fotografia, como sempre, e a direção de Bergman, a forma como ele conduz os atores, os movimentos de câmera e cada detalhe minucioso é genial. A câmera capta ângulos fantásticos, formando cenas belíssimas. Da trilogia, é claro, este é o mais fraco, mas a quem goste do diretor sueco, a obra é imperdível.
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