Inocente Pecadora segue a linha de narrativas moralistas e conservadoras de Griffith. Além da defesa à castidade feminina contra os homens devassos, há aqui a celebração de uma América rural e pacata, em termos de narrativa e construção cenográfica. Os quadros em estilo Biedermeier representam as paisagens rurais e os interiores de fazendas e armazéns com afetação pitoresca, o romantismo das imagens beirando ao hedonismo kitsch (vide o plano onde contemplamos a protagonista ao lado de pombinhos e ramos de flores). As salas, quartos e cozinhas dos Bartlett, por exemplo, são interiores irretocáveis: há uma estética do aconchego onde tudo está colocado no seu exato lugar e em sua devida proporção, numa prefiguração do romantismo rural de filmes posteriores como as animações Disney.
A história trágica da protagonista fica em certo sentido deslocada desse hedonismo todo. Os momentos mais pungentes do melodrama são os planos próximos em que a cenografia praticamente se dissolve, restando apenas o semblante desamparado de Anna Moore. Griffith extrai grande força dramática desses enquadramentos, potencializando a performance expressiva de Lillian Gish pelos chiaroscuros e lunetas mágicas, com os quais a imagem ganha um tom quase fantasmagórico - e são comoventes as tomadas em que a personagem parece se quebrar aos poucos, diante de nossos olhos. Esses primeiros planos são como buracos negros de mise-en-scène. A alternância entre eles e os planos “teatrais” se dá de forma abrupta, sem continuidade espacial entre um e outro. É como se esse mundo pitoresco fosse subitamente assaltado pela tragédia e destituído de nada além de expressões de tristeza e desesperança, a única exceção sendo a expulsão de Anna Moore, onde o cenário serve de palco para uma cena dramática a lá Greuze.
Mas nem só de tragédia vive Inocente Pecadora. Outro elemento subversivo do filme é a comédia. As sequências envolvendo os parentes e vizinhos caipiras dos Bartlett também abstraem-se do melodrama central da narrativa, sendo quase números a parte de comédia-pastelão. Elas também desestabilizam o ideal romântico da América rural por trabalharem com caricaturas que beiram ao grotesco: os funcionários públicos preguiçosos que dormem em horário de serviço, o xerife vaidoso que não percebe o ladrão debaixo de seu nariz, a vizinha fofoqueira que tem tiques nervosos ao descobrir a verdade. Há um exagero cômico tão pungente quanto o melodrama, como se o filme evocasse as máscaras gregas da tragédia e da comédia, ambientando-as a seu modo nesse cenário idílico americano.
O mesmo se dá no antológico clímax nas correntezas, onde a narrativa se dissolve em um espetáculo de ação, amparado por imagens que beiram ao abstrato. São essas construções de plano e montagem que tornam o melodrama de Griffith tão forte mesmo nos dias de hoje, onde seu moralismo é tão condenado. E não há plano mais belo do que o do reencontro final dos protagonistas, onde a semi-escuridão do quadro parece dissolvê-los no espaço concomitante à declarada presença física dos mesmos. Estes são como desenhos no quadro-negro, prestes a ganharem plena forma e iniciar um novo capítulo, uma nova história.
Comentários (0)
Faça login para comentar.
Responder Comentário