O mais recente filme de Woody Allen muito me surpreendeu por sua capacidade de ser extremamente atual apesar de manter os traços clássicos do cineasta. Eu costumo criticar grandes gênios das artes que são reverenciados numa adoração semi-religiosa pela crítica especializada por alguns serem criaturas “perdidas no tempo”, o que felizmente não é o caso de Allen. Tanto em Vicky Cristina Barcelona como em Tudo pode dar certo (especialmente neste último), nós vemos um diretor preocupado em mostrar os conflitos dos relacionamentos inseridos na moral de agora, dos anos 2000, era do Chatrouloutte e da (quase) absoluta desintegração da moral inflexível dos WASP (White American Southern and Prostestant, algo como barnco, americano, sulista e protestante).
Ao contrário dos filmes realizados para o grande público, que constantemente reforçam o discurso do politicamente correto e republicano à lá George Bush e Sarah Palin (exemplo de Um sonho possível), em Tudo pode dar certo, esse discurso é constante e impiedosamente atacado. As hipocrisias do comportamento conservador (estamos falando do WASP de novo) são simbolizados na figura da família de Melody (Evan Rachel Wood), moça desmiolada que fugiu da escola e de sua casa por seu temperamento demasiado “libertino” aos olhos dos seus familiares e especialmente de sua mãe.
Melody acaba caindo na vida de Boris Yellnikoff (Larry David) um professor de xadrez arrogante e misantropo que se vangloria de ter sido indicado ao Nobel por seus trabalhos acerca da Teoria das Cordas. Os dois têm comportamentos completamente contrastantes, ela com sua ingenuidade ignorante e ele com seu pessimismo genial, de forma que um começa a completar o outro. Isso é algo que muitos poderão ver como “forçado” mas que parece perfeitamente verossímil pelo modo como a ação é conduzida.
Boris que se divorciara tempos antes de sua esposa brilhante e culta por haver “razão demais” no seu casamento, vê naquele pequeno ser de mentalidade limítrofe uma chance de ter um verdadeiro relacionamento baseado em emoções. Melody, não se sabe por quê, se apaixona pelo velho e passa a entender a visão de mundo deste. O palco parece armado para um fim ao estilo “então eles viverão felizes para sempre”, mas a história não acaba aqui.
Tudo começa a se atrapalhar e a trama sofre uma divertida reviravolta quando a mãe de Melody, Marietta (Patrícia Clarkson) bate na porta do casal, ficando perplexa ao ver esse estranho casamento, que não é nada do que ela havia planejado para o futuro de sua filha. Sua aparição bem como a do pai da garota, mais para frente, servirão de mote para a ironização da moral da sociedade que a família sulista do filme representa. Não demora para que essas pessoas sejam transformadas por esse ambiente, tornando-se mais felizes quando se encaixam no mundo da Nova York de vida livre, leve e solta.
Tudo isso acontece em situações hilárias entrecortadas por citações cultas que tanto marcam os filmes de Woody Allen desde Noivo neurótico, noiva nervosa. Muitos brasileiros que assistirem esse filme entrarão em êxtase na cena em que Marietta toma vinho e conversa com um de seus futuros parceiros ao som de Desafinado de Tom Jobim.
Em suma, Tudo pode dar certo é tudo o que você pode esperar de um filme do Woody Allen com o adendo de um espírito crítico de seu tempo que mostra a maturidade do diretor, que não se preocupa em insultar aleatoriamente a falta de moral dos dias em que vivemos, mas mostra como devemos nos adaptar a eles. Apesar do final, que contrasta com o resto do que assistimos pela mensagem “auto-ajuda” tolinha de que todos encontrarão o amor não importa que forma ele tome, o resumo da ópera é uma sessão muito divertida com risadas garantidas somadas à certeza de que quem sair do cinema vai sair pensando no que assistiu.
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