Um jornalista chega à pequena província de Albuquerque no Novo México, e convence o dono de um jornal a lhe dar emprego. Esse jornalista é Charles Tatum (Kirk Douglas), homem inescrupuloso e manipulador, que já foi despedido de vários jornais de prestígio pelas mais diversas razões. Um ano se passa sem que Tatum consiga uma grande reportagem que seria seu passaporte para sair dali e voltar a fazer parte dos grandes jornais de Nova York ou Chicago. Mas acaba surgindo uma oportunidade, quando seu chefe lhe manda juntamente com um jovem fotógrafo a um lugarzinho ali perto pra cobrir uma reportagem sobre cascavéis soltas. Mas a caminho, Tatum descobre que algo mais “atrativo” está acontecendo. Um homem ficou preso em uma velha mina indígena que desmoronou. O esperto jornalista prepara todo seu arsenal para que tudo se transforme em uma grande notícia. Começa então um grande show, um festival de sensacionalismo que envolve a visita ao local de milhares de pessoas, parques de diversão, circo, música ao vivo, e outros jornalistas da imprensa e TV afim de não deixar escapar nenhum detalhe, demonstrando assim a necessidade que muita gente tem em se sentir bem perante a desgraça de outros.
Tatum joga as cartas na mesa e se mostra dono do jogo. Manipula o xerife local (que é corrupto), prometendo-lhe a reeleição, em troca da garantia de que ninguém atrapalhará sua cobertura jornalística; obriga a esposa da vítima (a bela Jan Sterling) a se fazer de mulher desconsolada, sendo que esta só quer mesmo é lucrar com as vantagens que o show lhe proporciona, e descarta tudo que lhe é desfavorável nesse “circo” criado por ele. A influência de Tatum se torna tão grande ali, que em certo momento ele obriga que o trabalho de salvamento do homem soterrado não seja feito por dentro da mina (esse processo seria rápido, e isso consequentemente faria com que o show terminasse logo), mas através de uma escavadeira por cima da montanha, prolongando assim o que poderia ser algo bem mais rápido.
O diretor Billy Wilder ao dirigir A Montanha dos Sete Abutres sabia que estaria com isso, mexendo com casa de abelhas, ou melhor, mexendo com a imprensa. A mesma imprensa que pode elevar ou destruir a carreira de um filme nos cinemas. E foi isso que aconteceu, o filme de Wilder foi um grande fracasso. Mas, diga-se de passagem, que foi um fracasso injusto, porém, o tempo passou e o transformou em uma das obras-primas do cinema. Nunca o sensacionalismo foi visto no cinema de forma tão abrangente e lúcida. No também brilhante Rede de Intrigas (1976), o diretor Sidney Lumet expõe uma situação parecida, porém neste, critica-se o papel do sensacionalismo da TV. Em Paixões que Alucinam (1962). Samuel Fuller moostra a história de um jornalista que, na ânsia de ganhar o prestigiado prêmio Pulitzer, se finge de louco pra ficar por uns tempos em um manicômio e assim descobrir quem foi o assassino de um dos internos. Em 1940, o excelente diretor Howard Hawks mostra em Jejum de Amor a história de jornalistas que correm atrás da notícia, em especial alguma novidade sobre um homem acusado de um crime que está sendo condenado à forca. Mesmo que seja uma comédia “ligeira”, Hawks não deixa de dar umas alfinetadas, criticando a imprensa marrom.
Em Impacto Profundo, numa das cenas, um homem afetado por uma reportagem chega pra uma repórter e pergunta: “Antes de você ser repórter, você era um ser humano”? . Se a imprensa algumas vezes detona o cinema, o cinema em algumas ocasiões também não deixa por menos.
Mas A Montanha dos Sete Abutres não seria tão esplêndido se não fosse pela direção magistral de Billy Wilder e a excepcional atuação de Kirk Douglas. Wilder era um diretor versátil, dirigiu filme noir (Pacto de Sangue), dramas (Farrapo Humano, crepúsculo dos Deuses), drama de guerra (Inferno nº. 17), comédias (Sabrina, O Pecado Mora ao Lado, Quanto Mais Quente Melhor, Se Meu Apartamento Falasse), filme de tribunal (Testemunha de Acusação), voltou a falar do jornalismo em A Primeira Página. Kirk Douglas é um dos maiores atores de Hollywood, nunca vi uma atuação fraca de Douglas, e sempre se deu bem em todos os gêneros. Trabalhou com os mais respeitados diretores, entre eles: William Wyler (Chaga de Fogo), Vincente Minnelli (Assim Estava Escrito, Sede de Viver), Stanley Kubrick (Glória Feita de Sangue, Spartacus), Joseph L. Mankiewicz (Quem é o Infiel?, Ninho de Cobras), entre outros.
Em alguns cursos de Jornalismo e Comunicação Social, esse filme é muito comentado e discutido, até mesmo porque o próprio diretor Wilder já fora jornalista antes de entrar pra Sétima Arte. Se algum estudante dessa área ainda não assistiu A Montanha dos Sete Abutres, procure conhecer, certamente será mais um pilar para a matéria que envolve Sensacionalismo.
A Montanha dos Sete Abutres tem uma ótima história (foi indicado ao Oscar de Roteiro Original, aliás, sua única indicação), diálogos brilhantes, personagens fortes. Reparem que durante todo o filme só vemos três pessoas corretas: o pai da vítima, a mulher que reza e o dono do jornal em que Tatum pediu emprego; de resto, só vemos pessoas egoístas e manipuladoras. Em certo momento, Tatum diz ao seu editor: “Se não aparece uma notícia, eu saio na rua e mordo um cachorro”.
Todo o sensacionalismo e “importância” dados aos mineiros presos em uma mina no Chile esse ano, foi um exemplo de que a obra de Wilder não envelheceu, continua mais atual do que há quase 60 anos.
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