O filme começa no ano de 1885. O jovem Freud cuida de pacientes com histerias. Com idéias contrárias ao diretor Meynert do hospital onde trabalha, decide ir a Paris. Lá, ele se admira com as teorias de Chacort onde este demonstra aos seus alunos que, seus pacientes com problemas mentais, utilizando neles o processo de hipnose, lhes fariam reverter alguns traumas. Charcot hipnotiza suas “cobaias” e atesta que o inconsciente personifica uma vontade maior que comanda suas ações. Esses pacientes eram cheios de traumas e neuroses, e uma vez que a hipnose buscava a origem desses traumas, seus problemas de algum modo poderiam ser resolvidos. Pouco depois, Freud retorna a Viena e se casa com Martha Bernays.
Em uma palestra, demonstrando suas novas descobertas acerca do elo consciente/inconsciente e suas tentativas de achar a origem do problema. Freud não obtém sucesso, mas fica amigo de Josef Breuer, seu futuro mentor e protetor. Breuer lhe fala sobre uma de suas pacientes, chamada Cecily Koertner, que tem um estado grave de perturbação histérica, e a apresenta a Freud. O jovem médico então fica conhecendo a paciente que um pouco tempo depois será seu objeto de estudos e a força maior de suas descobertas.
Freud vai analisar o caso de um rapaz chamado Carl Von Schlossen que tentou assassinar o próprio pai, um general. Ali, usando técnicas de hipnose, Freud descobre que Carl tem um desvio inconsciente de desejo pela mãe. Chocado, Freud abandona o caso. Ao se dar conta que deveria ter ido adiante, ele retorna a casa do paciente, mas é informado que o mesmo se suicidara. Freud ligando o caso do jovem ao caso de Cecily, começa a formular sua tese do Complexo de Édipo (e de Hamlet de William Shakespeare, como alguns estudiosos sugerem), no qual um menino tem repulsa pelo pai e deseja a mãe. Lembrando que, na tragédia Édipo Rei escrita por Sófocles há cerca de dois mil anos atrás, Édipo mata involuntariamente seu pai e se casa com sua mãe.
Seu pai tendo falecido, Freud descobre em si mesmo um bloqueio que lhe impede de se aproximar do túmulo do pai. Ele começa uma auto-análise, especulando que o pai poderia ter abusado da própria filha, e que o próprio Freud teria visto e criado um bloqueio que só se manifestaria anos depois. Mesmo tendo Breuer contra essa idéia, Freud mergulha a fundo e supõe que tudo acontecera em uma viagem de trem quando ele e seus irmãos eram pequenos. Mas durante uma conversa com sua mãe, esta lhe conta que durante a viagem de trem, sua irmã imaginada por Freud como vítima sexual de seu pai nem havia nascido ainda. Com essa revelação, Freud percebe que falta algo para ele montar o enigma da natureza sexual do inconsciente. Freud tem pesadelos no qual é puxado por Carl pra dentro de uma caverna, posteriormente esse sonho vai mudando de perspectivas.
Em hipnoses feitas por Breuer. tendo Freud ao seu lado, foi constatado algo que mudaria os rumos das análises feitas com Cecily. Esta é hipnotizada e conta que, estando em sua casa, ouve bater em sua porta tarde da noite, eram dois médicos avisando que seu pai estava morrendo, eles então a levam ao hospital. Entrando ali naquele hospital católico, ela vê as freiras cantando pelos arredores. Ao entrar no quarto onde seu pai estava, já o avista morto numa cama. Freud diz a Breuer que tal história é questionável, dizendo-lhe que médicos não vão nas casas das pessoas pra avisarem de ocorrências em seus hospitais. Freud então assumindo naquele momento a hipnose, tem aí então a verdade revelada: Aquela moça ouve bater tarde da noite em sua porta, mas os médicos dão lugar a policiais, que lhes avisam que seu pai está morrendo em um hospital. Eles a levam e, entrando ali se constata que freiras não ficariam cantando em um hospital altas horas da noite, as freiras então dão lugar a prostitutas, e o hospital na verdade vem a ser um bordel.
Breuer, preocupado com as investidas de Cecily e temendo perder seu casamento por causa disso, pede para que Freud assuma seu lugar. Nas várias consultas àquela moça, Freud descobre que ela carrega algo reprimido sexualmente desde a infância.
Freud percebe que Cecily resiste às sessões de hipnose e decide então tratá-la com análises, lhe fazendo perguntas acerca de sua infância com seu pai, buscando na livre associação, a resposta que ele tanto deseja. Ela lhe fala de um sonho que tivera na noite anterior, no qual há um emblema médico, com uma frase abaixo, por ali, um homem foge de alguma coisa e se lança correndo por uma praia e desaparece, e sua mãe em uma torre lhe diz algo de conotação repreensiva e ao mesmo tempo sexual. Freud usa interpretação de sonhos para tentar sentido a tudo aquilo. Ela lhe conta ainda que seu pai, que tinha fascínio por prostitutas, lhe colocava pra dormir com ele, enquanto que, sua mãe lhe causava repúdio. Freud constata que a jovem na infância era molestada pelo pai e dá como diagnóstico essa resposta. Mas no dia anterior ele descobre que ela não estava curada. Assim, ele busca a resposta para isso. Através de sua esposa Martha, ele percebe que a verdade às vezes pode ser o inverso, e descobre a origem de seu próprio problema de infância em relação a seu pai. Na verdade seu pai não havia molestado ninguém. O que aconteceu foi o seguinte: Quando era bem pequenino, Freud está na cama de sua mãe a vendo trocar de roupa, aquilo lhe gera um anseio sexual. Quando ela vai deitar ao lado dele, de maneira natural sem nenhuma intenção sexual, o pai chega ao quarto naquele momento e busca a esposa, indicando que o pequeno Freud poderia dormir sozinho. Era o pai (repulsivo) arrancando a mãe (desejo sexual) de ficar perto dele. Freud então retira a culpa de seu pai, e voltando a sua paciente Cecily, esta lhe diz que mentiu sobre o pai e que ela é quem sentia atração pela figura paterna.
Pouco depois, Freud, contrariando a vontade de seu mentor Breuer, discursa numa nova palestra e diz a todos ali suas teorias sobre o inconsciente sexual infantil e outras descobertas, dando origem à psicanálise. Freud vê seus colegas vaiá-lo e Breuer dizer a todos ali que não concorda com suas teorias.
O filme termina com Freud finalmente conseguindo se libertar de seus traumas visitando o túmulo de seu pai.
Após vários livros biográficos sobre Freud, publicados nos anos 50, inclusive um escrito pelo filósofo Jean Paul Sartre, e alguns textos autobiográficos e cartas traduzidos para o inglês, a figura de Freud (o lado mais humano dele) é desvendado e torna-se algo de cunho interessante e curioso.
O diretor John Huston, conhecido por seus filmes cheios de intrigas e aventuras, como O Falcão Maltês, O Tesouro de Sierra Madre, O Segredo das Jóias, Uma Aventura na África e Moby Dick, convida Sartre para escrever o roteiro de seu novo filme sobre Freud. Sartre passa uns dias na casa de Huston, preparando esse roteiro, mas como o filósofo francês gostava de escrever sem parar, acabou criando uma história enorme. Huston sabia que aquele material todo seria algo em torno de 7 horas no mínimo de filme (algo fora de cogitação, uma vez que um filme de quatro horas já é considerado muito longo). Huston pede para o amigo diminuir seu texto, mas depois de modificar bastante, Sartre se recusa a continuar e pede para que seu nome não conste nos créditos do filme.
De fato, Huston condensa bastante o roteiro escrito por Sartre. Esse roteiro foi publicado posteriormente na íntegra por Sartre, com o mesmo nome do filme: Freud – Além da Alma. O personagem Carl Von Schlossen é fictício, na verdade esse paciente é uma junção de vários outros pacientes que Freud tinha em sua vida. Cecily também é fictícia, ela na verdade é uma variação de Ana O. (pseudônimo de Bertha Pappenheim uma de suas pacientes mais famosas) e outras pessoas que foram tratadas por Freud. Ana O. seria de papel fundamental na catarse que posteriormente viria a ser um dos pilares para a criação da psicanálise. Na verdade, esse filme se concentra em 5 anos da fase mais prolífica de Freud, quando ele fez inúmeros estudos e descobertas que fariam dele um dos homens mais importantes da ciência médica do final do século 19 e século 20.
Afinal de contas, o filme Freud – Além da Alma ajuda a compreender um pouco as teorias de Freud? Bom, a resposta é sim e não. Sim porque abrange assuntos como neuroses, histerias, desejos reprimidos, inconsciente sexual e interpretação dos sonhos. E não, porque o filme resume em 5 anos o que Freud demorou quase duas décadas para descobrir, ou seja, Huston não condensa apenas os fatos, ele condensa também o tempo em que eles ocorreram. Mas num resultado final, isso não tira o mérito do filme, pelo contrário, ajuda a não torná-lo cansativo e didático demais, até mesmo porque não se trata de um documentário, mas sim de uma obra ficcional baseando se na realidade. No cinema algumas coisas precisam ser remontadas e mostradas de forma mais artística. Por exemplo: Freud era um neurologista que desenvolveu técnicas nas áreas de psicologia, psicopatologia, fisiologia, hipnose etc., até desenvolver a psicanálise. Imagine aí todos esses elementos médicos e científicos abordados em um único filme, certamente ficaria algo excessivamente acadêmico e cansativo ao grande público que não conhece a fundo as teorias freudianas. O objetivo maior desse filme é mostrar que Freud foi um homem dedicado em sua área, que mudou os conceitos de seu tempo, e criou a psicanálise (um termo que até então não era conhecido).
Tendo seu roteiro já pronto, Huston chama para o papel de Freud, um dos melhores atores americanos daquele tempo: Montgomery Clift, que já havia trabalhado com Huston em Os Desajustados.(1961). Clift havia tido um grave acidente de carro alguns anos antes; esse acidente deixou marcas em seu rosto, lhe tirando um pouco as expressões faciais. Mas isso não impede que ele tenha uma interpretação magistral no papel de Freud. Aliás, o próprio Clift em sua vida particular, se encaixaria perfeitamente no perfil de alguns pacientes de Freud. Clift tinha problemas com álcool, drogas medicinais e tinha que conviver com seu homossexualismo. Mas nas telas era um monstro sagrado. Para o papel de Cecily, é chamada a jovem atriz Susannah York (mais lembrada como a mãe kriptoniana de Kal-El ou Clark Kent em Superman - O Filme). A fotografia ficou a cargo do ótimo Douglas Slocombe (diretor de fotografia dos três primeiros filmes de Indiana Jones, entre outros). A trilha sonora é do consagrado Jerry Goldsmith. O roteiro ficou sobre a responsabilidade de Charles Kaufman (não confundir com outro roteirista atual de mesmo nome) e Wolfgang Reinhardt (lembrando que Sartre ficou de fora dos créditos, por vontade própria). A narração é do próprio John Huston.
Indicado aos Oscars de Roteiro original e trilha sonora, Freud – Além da alma continua atual e impactante quase meio século depois. Huston violou algumas censuras da época e mostrou cenas ousadas (não eróticas) para a época e termos científicos até então vistos apenas em livros.
Alguns acham que Freud foi um pervertido, arrogante, pretensioso e exibicionista. Outros o têm como um gênio que revolucionou a medicina, em sua determinada área de atuação: neuroses, histerias, inconsciente, sexualidade reprimida, etc.
Freud – Além da Alma ficou por muito tempo inacessível ao grande público, sendo transmitido aqui no Brasil por canal de TV paga. Nunca saiu em VHS e só foi lançado em DVD no ano de 2009. Nos Estados Unidos, até onde eu saiba, ainda não existe em DVD. Eu já havia visto antes pela TV, mas pude rever esse ano em seu formato original em widescreen, preservando melhor sua belíssima fotografia e trilha sonora. No DVD tem como extra um comentário bem esclarecedor do professor Renato Mezan, da PUC-SP, sobre esse filme. Vale muito a pena conferir.
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