Dois Destinos é considerado por muitos a obra-prima do diretor italiano Valerio Zurlini, superando até mesmo A Primeira Noite de Tranqüilidade. Eu não saberia dizer qual é o melhor, sendo que os considero igualmente obras singulares da Sétima Arte. Os pouquíssimos cinéfilos que conhecem Zurlini, sabem que seu cinema é individual, amargo, de uma natureza reflexiva e melancólica, como nenhum outro cineasta. Portanto, é de se esperar que seus melhores trabalhos traduzam o que há de mais caro à natureza humana e ao próprio cinema: a desilusão. Dois Destinos narra o drama de Enrico (Marcello Mastroianni), um jornalista frustrado que perdeu sua mãe quando tinha apenas 8 anos de idade. Seu irmão Lorenzo é doado ainda novinho para uma família rica. Anos depois, Lorenzo perde tudo que tem e procura seu irmão, em busca não apenas de instabilidade, mas principalmente procurando formar uma união que nunca havia tido com um parente de sangue. Mas Enrico culpa Lorenzo pela morte da mãe, mas nunca lhe diz nada a respeito disso. Certa noite, Lorenzo o procura e fica hospedado em seu mísero quarto. Começa assim uma nova etapa de vida para os dois irmãos. Cada um ao seu jeito, vai procurando se aproximar um do outro, visitam sua avó que está numa espécie de asilo, debatem sobre a vida, vão em busca de empregos, e um dia se separam novamente. Até que Lorenzo diz a Enrico que sofre de uma grave doença sem cura. Enrico acompanha todo o processo de tratamento do irmão, se aproximando mais dele. Como você pode ver, não é uma obra que apresenta uma história acessível ao grande público, mas trata-se de um drama forte, seco, sem nenhum senso de humor, sem coadjuvantes engraçadinhos. Aqui, Zurlini demonstra o que sabe fazer melhor: desilusão, solidão, questionamentos. Conhecido como o poeta da melancolia, Zurlini em seus filmes não abre espaço pra subtramas, vai direto ao ponto que interessa. Também não apela para o melodrama. Tudo gira em torno desses dois irmãos, seus dramas, suas lutas, suas esperanças de que as coisas possam melhorar, mas ao mesmo tempo percebemos durante todo o tempo que eles estão fadados ao pior, como já deixa anteceder o início da obra. Poucas vezes na história do cinema um filme foi tão cruel com seus personagens, tirando-lhes toda e quaisquer perspectivas de um “amanhã glorioso”. Mas Dois Destinos não seria uma obra tão forte e esplêndida se não tivesse à frente seus dois atores fantásticos: Marcello Mastroianni (Enrico) tem aqui a melhor interpretação de sua carreira, segundo alguns críticos, mostrando porque que realmente era o melhor ator italiano de todos os tempos. A cena em que ele conta para o irmão já doente, sobre sua mãe, é de uma naturalidade espantosa, entrando para a lista das melhores interpretações da história. Mastroianni era fenomenal, incomparável, um monstro nas telas. O francês Jacques Perrin (Lorenzo) também está ótimo como o irmão mais novo em estado terminal. Perrin já havia feito um ano antes com Zurlini, o belo A Moça com a Valise, e é conhecido do grande público de arte pelo seu desempenho em Cinema Paradiso, em especial na emocionante cena final em que ele assiste às cenas dos filmes cortadas pela censura. Ótimos atores aliás, era prioridade para Zurlini. Ele sabia que seus filmes eram fortes, sinceros, e só grandes atores poderiam expressar toda a fúria e desesperança de seus personagens, entre os grandes atores “zurlinianos” estão: Jean-Louis Trintignant e Eleonora Rossi Drago (Verão Violento), Claudia Cardinale (A Moça com a Valise) e Alain Delon e Giancarlo Giannini (A Primeira Noite de Tranqüilidade).
Valerio Zurlini foi injustamente esquecido por um tempo, sendo redescoberto há pouco tempo em amostras de cinemas. Injustiça mesmo, porque se iguala aos grandes diretores italianos como Roberto Rossellini, Federico Fellini, Vitório de Sica, Michelangelo Antonioni, Ettore Scola e Luchino Visconti. Zurlini era pintor, artista nato, era exigente nas escolhas de cenários e ângulos de câmeras, seus filmes são verdadeiros estudos para cinéfilos e estudiosos da área. Seu cinema é lento, introspectivo, sempre em busca de respostas. Está entre o que o cinema mundial pode oferecer.
Dois Destinos é cinema bruto, sério e avassalador.
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