The Post: apenas mais um filme dirigido por Steven Spielberg? Sim, mais uma entre tantas obras filmadas a toque de caixa, em que algumas deram certo, outras nem tanto. The Post, no entanto, está no time das que deram certo.
Trata-se de um longa que retrata um episódio histórico ocorrido na década de 1970 (Pentagon Papers) e que abalou as estruturas do governo estadunidense, pondo em xeque as autoridades responsáveis pela condução daquele país. Some-se a isso, as nítidas semelhanças com o atual cenário político dos EUA, bem como a desconfiança geral que se abateu sobre o jornalismo, e poder-se-ia chegar à percepção de que se trata de um filme de drama redondinho, sério e autoimportante.
Não é bem assim. Embora marcado por um teor político pouco sutil, seja pelo próprio cenário político, como também pela ode ao jornalismo e aos que o fazem, e pela retratação da inclusão feminina em âmbitos negociais, executivos e em cargos de chefia, The Post revela um inesperado senso de humor. Há momentos nos quais se desprende de amarras criadas pelo próprio roteiro, e se entrega a um misto de sarcasmo e deslumbramento, mas sem deixar de investir na construção de uma relação natural com o fazer jornalístico, inclusive sob as circunstâncias extraordinárias que ocorrem na narrativa. É uma surpresa (embora não inédita), principalmente se consideramos a mente por trás do longa.
Isso revela bastante a capacidade de Spielberg em lidar com um curto espaço de tempo, convertendo pequenas falhas de roteiro em uma sutil ironia e humor, sem jamais deixar transparecer um trabalho feito sem esmero. Pelo contrário, se há um filme dirigido com tanto esmero, The Post sem dúvida se inclui entre eles. Desde o primeiro segundo da projeção, sem o auxílio da imagem, constata-se fineza e sutileza em situar o público, simplesmente com o uso, no início, de um discreto som inaudível e que aos poucos se revelam barulhos de helicópteros. Daí a associação já é imediata: está-se diante da Guerra do Vietnã, o mote para o início do conflito envolvendo a Casa Branca e o Washington Post. Tudo isso apenas utilizando o som, e conferindo à obra um tom narrativo dinâmico e que poupa a si mesma, em cem por cento de sua duração, à facilidade dos letreiros tão comuns ao início e ao final neste tipo de filme. Aliás, a ausência de letreiros expositivos revela o cuidado do roteiro em mostrar, por meio de ações, tão somente uma fração de cenas que contextualizam eficazmente o período histórico e o contexto a ser desvelado nos minutos posteriores.
Igualmente notável a primorosa e criativa edição de som, que aproveita as inúmeros possibilidades que o "surround" oferece - e que é tão pouco aproveitado nos filmes. Usa-se e abusa-se de sons simultâneos em lados opostos da sala, criando uma sensação de imersão e profundidade que aumentam ainda mais o prazer em acompanhar a narrativa e ir desvendando fatos e se surpreendendo junto com os personagens. Todavia, além de um "mero" elemento construtor de ambientação, a edição de som, mais uma vez, mostra sua importância no ato de contar história e de transmitir ideias. Os ininterruptos sons de máquinas de datilografar (sons que, inclusive, remetem a tiros) insistentemente tecladas perifericamente, desde o primeiro ato do longa, revelam a obstinação daquela equipe, bem como a arma que eles utilizam para fazer valer suas convicções e ideologias. Afinal, como dito por Ben Bradlee, interpretado por Tom Hanks, a melhor maneira de exercer o direito de publicar é publicando. A escrita é, pois, a maior arma dos verdadeiros jornalistas.
Ademais, embora Spielberg transite entre obviedades e (alguns) enquadramentos pouco sutis, tal como em quase todas as cenas de Meryl Streep, retratada como uma mulher solitária e sem voz, embora poderosa e importante, sempre entre homens que lhe põem no escanteio ou que relevam suas ideais, por outro lado, é com a mesma atriz que é feito um trabalho notável de construção de mise en scene. A cena em que Kay Graham resolve, definitivamente, publicar os documentos vazados, desenvolve, em poucos minutos - por meio de enquadramentos de cima para baixo e de baixo para cima, bem como pelo enquadramento lateral na esquerda (revelando o domínio emocional exercido sobre Kay) -, uma relação de subordinação e dominação que ao final da cena é revertida e, logo após, põe seus personagens no mesmo nível de altura do enquadramento, sugerindo a igualação dos dois, tornando, definitivamente, por assim dizer, indene de dúvidas as supostas diferenças entre homens e mulheres no que tange às suas aptidões. São detalhes como esse que, pelo menos aqui, isentam Spielberg das facilidades de utilizar a trilha sonora de John Williams para expressar emoções e superações de seus personagens.
No entanto, o ponto nevrálgico de The Post é o entusiasmo com que trata o jornalismo, sobretudo o investigativo. Por meio de uma montagem ágil, orgânica e meio "nervosa", traduz-se com exatidão a correria habitual da classe, bem como transmite exemplarmente o curto espaço de tempo que aqueles indivíduos tiveram para publicar um furo jornalístico que mudou o rumo da História, apesar de não abrir mão de concessões morais, uma vez que o Washington Post assumiu um risco imenso ao resolver publicar os documentos vazados.
The Post é, enfim, um retrato histórico preciso, objetivo e contagiante, realizado por um dos cineastas mais notáveis e importantes do cinema e que, mesmo parecendo para alguns (inclusive, às vezes, para quem vos escreve) ultrapassado em sua forma de expressar sentimentos e de produzir filmes, na verdade homenageia o cinema, e não cansa de evoluir em seu modo de dirigir, embora sem jamais abandonar suas raízes. Próximo filme, por favor, Sr. Spielberg?
Grande crítica!
Excelente texto. A equipe do Cineplayers tem que recomendar!