Brooklyn é aquele típico filme britânico correto em todos os sentidos – como dizem alguns, feitos para não incomodar ninguém. Ocorre que se limitar a essa visão é perder a chance de visualizar uma obra que pode não ser corajosa, mas que rompe algumas convencionalidades presentes em algumas obras recentes e que se assemelham em alguns aspectos.
O enredo é bem típico: dificuldades financeiras e de arrumar emprego no país natal, quase sempre localizado na Europa e lá pelas décadas do século XX, somado à falta de perspectivas que levam a protagonista a migrar de um país para outro, geralmente para os EUA.
O drama aqui aparece de forma óbvia, como não poderia deixar de ser, já que se trata de uma situação delicada ter que deixar família e amigos para trás para ir em busca de melhores oportunidades. Por isso, a trilha sonora usa e abusa de músicas tristes para reforçar todo o sofrimento de Eilis, sobretudo nos primeiros minutos, mesmo que por algumas vezes se opte por não usar nenhuma música e deixar toda a carga dramática focada em Saiorse Ronan, que conduzida por uma direção competente, demonstra uma habilidade incrível de atuar dramaticamente sem parecer forçada, utilizando muito bem a forma de respirar antes de cair aos prantos. Some a isso, seus traços belos e delicados, passando um aspecto de moça frágil e inocente.
A inocência de Eilis e a forma como algumas cenas são conduzidas, gerando sempre um inevitável derramamento de lágrimas dos personagens, pode parecer melodrama barato, mas se pararmos para pensar qualquer um agiria daquela forma, sobretudo por se tratar de uma garota jovem, moradora de uma pacata cidade na Irlanda e afastada dos agitamentos típicos de uma grande cidade, e que se vê numa situação de deixar tudo para trás.
Em virtude disto, o primeiro ato do filme poderia ser apenas o início de um grande sofrimento da protagonista, a qual ainda teria que chegar a Nova York, ser maltratada, humilhada, passar fome, ou outros tipos de constrangimentos e confusões que só complicariam ainda mais sua situação. E é a partir da chegada da personagem em Nova York que somos apresentados à real intenção da história, que passa longe de ser mais um drama social com pitadas de crítica ao “american way life” – não que seja inválida tal crítica, mas é que já veio se tornando óbvia demais, sobretudo quando tem-se imigrantes envolvidos.
Aqui, o sofrimento familiar da personagem já basta, até porque o que se quer aqui mostrar é a busca de alguém por seu lugar no mundo, e isso já é árduo demais para querer colocar vários empecilhos na vida da imigrante. Não que Eilis não passe por certos sofrimentos quando chega à Nova York: a moça se sente um peixe fora d’água, não se adapta a alguns costumes, e se sente pressionada demais em ter que estampar um sorriso falso para agradar clientes exigentes e fúteis na loja em que trabalha. Por isso, a moça está sempre em constante mutação, procurando uma forma de se adequar à situação, deixando seu passado para trás e sempre se esforçando em construir seu futuro - o que é bem representado pela fotografia, que a enquadra refletida por vidros para depois filmá-la diretamente. Também não é mera coincidência a opção por uma locação como um rio para mostrar a leitura de uma das muitas cartas de Eilis para sua irmã Rose, que mesmo sofrendo, trata de viver seu presente e construir seu futuro, mesmo numa Irlanda sem perspectivas. E o rio representa bem isso: movimento que resulta sempre numa renovação da vida.
Ademais, ter uma protagonista mulher, que passa da fragilidade e inocência, para uma mulher forte, madura, inteligente, estudiosa e decidida é sempre bem-vindo. E mesmo que superficialmente a obra pareça ser uma ode ao “american way life”, na verdade a protagonista poderia ter tido outros destinos que não os EUA, visto que a obra dá vários indícios de ser uma história com elementos universais. Daí que não importam de onde alguém é, nem para onde esse alguém vá, mas que todos somos seres em constante mutação, sedentos por ter nosso lugar no mundo, nem que para isso tenhamos que sofrer não só para galgar uma ascensão social, financeira, e sobretudo, de dignidade humana, mas de resistir às tentações das facilidades – como aceitar, tal como em certo ponto da obra acontece à Eilis, uma oferta de emprego em seu país de origem por causa de um homem que lhe foi apresentado por uma amiga sua e que está apaixonado por ela.
Desta forma, se revela ainda mais interessante ver a evolução da personagem: de totalmente dependente da mãe e da irmã, para tornar-se independente ao ponto de não aceitar um trabalho que sonhava, mas que foi ofertado por um homem que queria casar-se com ela sem ao menos se conhecerem bem. Tem como defeito, a cena desnecessária com sua antiga empregadora, que sabe que a mesma casou em Nova York, o que meio que força a moça a retornar para os EUA, enfraquecendo um pouco a evolução da personagem, mas mesmo assim ainda vejo que Eilis optou por seu retorno à Nova York como uma forma de valorizar o que construiu para si, mesmo deixando a família para trás.
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