Há uma conhecida piada anti-Antonionni no meio cinematográfico onde alguns críticos e cineastas diziam estar na moda filmes em que não acontece nada. A lorota em questão, refere-se de alguma maneira a Blowup, e mesmo que levada a sério, cai por terra já na abertura do filme.
Os letreiros primeiros de Blowup, já levantam a tese absoluta do filme, revela também, a forma pelo qual o diretor pretende expressar sua linguagem cinematográfica ali, no filme. Ao som da música de Herbie Hancock, os nomes das pessoas envolvidas na feitura do filme são mostrados de uma forma um tanto caótica. Através dessas letras vazadas, vislumbramos algo parecido com uma mulher. Uma espécie de dança? A movimentação das letras eclipseiam nossas percepções. Tentamos, e, por fim, conjecturamos o que seja aquilo e o que faz. Nunca temos a plena certeza. Não sabemos se nossos olhos nos traem.
O filme gira em torno de Thomas – David Hemmings, um fotografo bem requisitado que vive as turras com aquela rotina burguesa, e para o qual até aquilo de mais alternativo e efervescente em sua cultura, não o livra do tédio absoluto. Rock n’rool, drogas, festas, trabalho, Thomas passa por todas essas coisas e nada disso o instiga de verdade.
Todavia, Antonionni adicionou – na verdade é nisso que o filme ergue-se de uma maneira mais “direta” até – na reflexão sobre o poder da imagem sobre o contemporâneo, ou mesmo, o poder de manipulação delas/sobre elas. É buscando uma fuga daquele tédio cotidiano – algo tão rico em Pierrot, Le Fou de Godard – que Thomas buscará à loja de antiguidades. Lá, em certo momento, Thomas simplesmente começa a fotografar as circunvizinhanças do local. Descompromissadamente encontra um casal se beijando em um parque. Fotografa, aquele momento casual o instiga, o tira do tédio. O casal briga. Thomas apenas fotografa. A moça percebe, parte em direção a Thomas. Apela que ele dê os filmes. Eles combinam para outra hora. O homem some.
Thomas fica perturbado com a expressão da mulher. Suspeita de algo. Aproximando as fotografias, vê – ou imagina – algo parecido com um crime. Investiga e vê – ou imagina, mais uma vez – um corpo (houve até aqueles que acharam alguma semelhança entre o corpo do filme e o próprio Antonionni…). Isso, finalmente tirou a vida de Thomas daquela sensação ordinária sentida por ele no início do filme. O Thomas que vemos agora é, sobretudo, um homem curioso, que reencontra o prazer mesmo que tenha de inventar algo para isso. Com os mímicos, na cena final, o ultimato de Antonionni, onde personagem e público ao acompanhar atenciosamente ao jogo de tênis imaginário (?), termina por decididamente dissociar a separação entre realidade e imaginário. Valendo, portanto, a imagem ou o sentido da coisa em si (no caso a bolinha do jogo de tênis).
Criando seu suspense de maneira genial, ao mesmo tempo em que acompanhando e criticando o mundo burguês, Antonionni revela à sua maneira peculiar os artifícios de sua linguagem. Desde os letreiros iniciais, ou quando Thomas decide comunicar algo – vendo um quadro pintado por seu vizinho, o fotógrafo diz que aquelas imagens nada significam para ele, é tudo uma grande confusão. Depois se retém a algo, e é como se aquilo se ganha vida, sentido. Tal como um detetive deveria ele descobrir. Tal momento, aparentemente tão banal como aquele em que ele fotografa o casal no parque, já prenunciava aquilo que viria acontecer. Como podemos ver, acontecia tudo sobre a lente precisa de Antonionni.
Não foi só um filme, foi um fenômeno. Típico de uma época, a Geração Paissandu passou a se encontrar nas críticas do JB e nos bares de nossas cidades. Nos sentíamos em cafés do Rio de Janeiro ou de Paris, conectados, depois de Blow-up, Depois Daquele Beijo.