Interessante como Amantes Constantes consegue ser um filme tão grandioso, e, ao mesmo tempo, não embasbacar-se em gritar a todos os cantos o feito que executa. Sim, podemos considerar o filme de Garrel - e também ele próprio - como legítimo herdeiro daquele cinema praticado pela Nouvelle Vague em seus tempos áureos, mais ainda, a um trato extremamente peculiar na forma como Garrel se transmite principalmente os dramas psicológicos e sociais de seus personagens. Sobre quase todos os sentidos, o filme é feito do diretor para si mesmo, ou do diretor para aqueles que com saudosismo vêem cada dia mais o espírito do cinema genuinamente de arte praticado na França se perder. Em definição, são memórias recontadas de forma intimista e até desolada, onde a ficção serve para dar um fim trágico a uma paixão que surge no momento onde as esperanças políticas se esvaiam.
O filme começa momentos antes do Maio de 68 na França, onde o jovem poeta François (Louis Garrel interpreta se pai, Philippe) foge do alistamento militar. Em seguida, somos jogados direto nas barricadas estudantis, já em Maio. Após tais eventos, na casa de Antoine - sujeito rico e excêntrico que abriga alguns colegas revolucionários -, primo de François, em meio a festas e muito haxixe, François conhece Lilie (Clotilde Hesme não menos que divina), e os dois jovens apaixonam-se perdidamente e fazem juras de amor eterno.
De uma maneira precisa, sem soar pretencioso, Philippe Garrel reflete sobre a paixão em meio aquele caos, depois daquele caos, onde certo sentido de paranóia apossou-se daqueles jovens que haviam participado das barricadas. Teria alguma chance de Lilie conviver com François, sendo o jovem e talvez ela mesma procurados pela polícia após o Maio? Seria a ocasião o motivo que fez com que a bela moça de olhar apaixonado deixa-se seu poeta e fosse para os Estados Unidos atrás de seu "mecenas" que poderia lhe oferecer uma bela carreira como escultora? Garrel nos transmite através de imagens, apenas isso, em poucas palavras vemos o quão estavam apaixonados Lilie e François. Olhares, estes, muito mais de beijos - até onde eu lembre, um dos poucos beijos entre Lilie e François foi quando a moça estava despedindo-se do rapaz - mostram a paixão que brota de uma forma avassaladora.
Aos diálogos cabe a reflexão política, sobretudo. Há um momento em que um dos jovens, em plena tentativa de Revolução diz: “Será que podemos realizar a revolução do proletariado, apesar do proletariado?” Não há confusão maior, poucas palavras seriam capazes de expressar o sentimento de desolação daqueles jovens que viam seus esforços quase que serem em vão - no nível do presente em que os eventos ocorriam.
Um dos grandes destaques do filme, sem dúvidas, é a belíssima Fotografia em preto-e-branco, vencedora do prêmio especial de Veneza, que através de uma iluminação das mais eficientes dá ao filme uma particularidade que é só seu, sobretudo no começo do longa.
De uma sinceridade dramática absurda, que não cai em modismos estilísticos e/ou intelectuais, Amantes Constantes, certamente figura como um belíssimo retrato ficcionalizado por alguém que sentiu de perto uma época. Mais que isso, é um exercício puro de cinema, que se comunica de maneira bem particular - a forma como filma o cotidiano daqueles jovens, suas conversas, me lembra um pouco o estilo de Jarmush -, de forma que cada longo-plano do filme parece uma confidencia que o diretor só poderia expressar através da película, não haveria palavras.
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