A Pixar tem se caracterizado por fazer animações que colocam em pauta os sentimentos de seres que, no sentido estrito do real, não os teriam. É assim em Toy Story (1995), Procurando Nemo (2003), WALL-E (2008) e entre outros. Assim, construiu-se um ambiente em que as personagens interagiam entre si e modificavam o seu entorno, do qual faziam parte. Em Divertida Mente (2015), a produtora extrapola esse aspecto, colocando os sentimentos das Emoções (as personagens) em primeiro plano, de forma que, confrontando-se, elas mudam o seu ambiente e de tal embate resultam ações em um plano maior. Assim, os cinco sentimentos expostos no filme: Alegria, Tristeza, Nojo, Raiva e Medo ditam a vida de uma menina norte-americana adolescente, fazendo-a interagir de acordo com as suas vontades e na criação de suas memórias.
Há, durante todo o filme, sinais de uma primazia das emoções em relação à razão. Todas as atitudes dos seres humanos são feitas na “sala de controle” (também conhecida como cérebro), controlada pelas personagens. Entretanto, fica claro também a noção de que as relações entre as pessoas são permeadas por exigências do mundo, principalmente no adulto. A evidência é quando a animação mostra as salas de controle dos pais, onde as Emoções são pautadas pela coerção, tédio e lamento; além de que a pressão por resultados no trabalho e pela recompensa monetária, e o uso limitado do tempo trazem um problema de comunicação entre os pais e a garota, gerando um dos conflitos da projeção.
A intriga principal da história fica a par da relação conflituosa entre a Alegria e a Tristeza. A primeira é retratada de forma efusiva, egocêntrica e mandona e contrapõe-se à Tristeza, a qual é tímida, medrosa e não se impõe. Durante todo o filme os dois sentimentos se chocam, criando uma tensão que não deixa a animação cair de ritmo. Esse embate diz muito sobre como os sentimentos de alegria e tristeza são tratados na sociedade moderna. A felicidade é buscada de forma incessante e a qualquer custo, e tanto os meios de comunicação quanto muitas das pessoas ao redor transmitem essa mensagem a todo momento. “A vida somente é plena quando se é feliz” é o que eles dizem. De fato, uma vida sem alegrias seria desastrosa, o que acarretaria um quadro de depressão; entretanto, a alegria, somente ela, torna os seres humanos em seres mais frágeis e incompletos, os quais não enfrentam a tristeza de forma crua, tentando fugir dela a qualquer custo. Assim, busca-se o alívio de diversas maneiras, o que quase sempre é transitório e não atinge, no alvo, a causa da tristeza. O que o filme quer mostrar é a necessidade de se abraçar a tristeza, confrontar a dor que se sente e colocar para fora, externá-la de alguma forma, ou seja, comunicar-se. O ser humano é um ser social e necessita da comunicação, seja em momentos de alegria ou de sofrimento.
Divertida mente passa por essa construção de forma sensível e brilhante. O cérebro humano e sua complexidade de pensamentos, inconsciente e memórias são retratados para uma criança aproveitar essa jornada. As personagens são caracterizadas de formas diferentes tanto nas cores e como nas texturas. Os diferentes setores do cérebro têm seu colorido com base no que eles devem transmitir. Além disso, as piadas funcionam tanto para os adultos quanto para os pequenos. É a Pixar em boa forma novamente, mostrando que se pode fazer uma animação para todas as idades e não menosprezar a capacidade do público, como tantas animações recentes o fazem.
Quando temos a oportunidade de ver uma obra desse porte devemos exaltá-la. Trazer tal sensibilidade às telas é digno de nota, ainda mais em um tema delicado que é o trato dos sentimentos em uma criança. Além disso, não devemos negligenciar os sentimentos e isso vale para qualquer idade. E quando a tristeza bater não faz mal: é a vida querendo lhe mostrar que existe uma saída e superação. Até porque uma sucessão de dias belos seria impossível de suportar.
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