No início da década de 80, bem antes de tomar a frente da franquia do Homem-Aranha, Sam Raimi era um jovem aspirante a diretor que juntou alguns amigos, dentre eles Bruce Campbell (Ash); um orçamento miserável e fez a partir de um roteiro escrito por ambos, um pequeno filme assustador, tosco e de certa forma engraçado, que por sua sanguinolência foi vetado em vários países e posteriormente se tornou objeto de culto no cinema, principalmente entre os fãs de terror. E é claro que este filme é Evil Dead ou “A Morte do Demônio”, em uma tentativa deprimente de tradução do título original que ao pé da letra seria algo como “Os Mortos Malignos”.
O início do filme é antológico e seria copiado por zilhões de obras do gênero: tem-se a câmera subjetiva a passar por um pântano esfumaçado ao som de uma música aterrorizante, efeito que em um filme de estúdio seria feito com uma steady-cam, a maneira que Kubrick fez em O Iluminado, mas como Raimi não tinha dinheiro para isso ele mesmo fez uma versão capenga do instrumento e filmou as cenas, gerando um ótimo resultado, por sinal. São nesses detalhes que se vê a inventividade e a paixão de um diretor pela sua obra.
Depois desse intro acompanhamos a história de um grupo de cinco jovens que aluga uma cabana no meio da floresta para passar o fim-de-semana (porque eles sempre escolhem esses locais sombrios para relaxar?!). Ao chegar lá, descobrem que o lugar está caindo aos pedaços, mas resolvem ficar mesmo assim; e não demora muito para coisas estranhas acontecerem.
Ventos sobrenaturais e vozes do além são apenas um prelúdio do que aconteceria a eles. Após a porta de o porão abrir sozinha um dos rapazes (o corajoso do grupo) encontra no seu interior um gravador e uma fita junto de um livro sinistro. Quando os jovens ouvem o gravador descobrem pela voz de um arqueólogo que o tal livro é nada mais nada menos que o Necronomicon ou "O Livro dos Mortos" que, dentre outras coisas, tem o poder de ressuscitar os mortos e despertar forças do mal por meio de um encantamento, o qual por medidas de segurança não vou transcrever neste texto. Este encantamento acaba sendo reproduzido pelo gravador provocando o ressurgimento de espíritos malignos que possuirão um a um dos jovens, até sobrar o último que terá que se virar com os outros amigos endemoniados.
Como se vê pela sinopse, o enredo do filme é bem simples e você já deve tê-lo visto em inúmeras obras do tipo. Para construí-lo Raimi teve como referência vários filmes como “A Noite dos Mortos-Vivos”, “O Exorcista” e “O Massacre da Serra Elétrica” e chega até a pagar tributo a um deles, quando em uma cena vê-se ao fundo um pôster de “The Hills Have Eyes” filme de Wes Craven, um dos mestres do terror explícito, pelo menos na época. O que Evil Dead difere de seus sucessores e predecessores famosos é a maneira como essa história é conduzida e mostrada. Fazendo um filme independente e sem compromisso com nenhum grande estúdio ou ninguém além dele próprio, Raimi não seguiu fórmulas hollywoodianas ou impôs censura ao seu trabalho e foi fundo na sua bizarra e sangrenta imaginação entregando uma obra crua e diferente cheia de gore, desmembramentos, possessões e um verdadeiro banho de sangue, características pouco freqüentes no cinema americano até então. Caso emblemático do ineditismo de Evil Dead é a famosa cena que uma das jovens é violentada por galhos de árvore, em um trabalho bem-feito de stop-motion. Tal cena nunca seria permitida em um filme de Hollywood da época.
O filme conta também com um toque de humor sutil. Neste sentido as cenas em que toda cabana jorra sangue ou quando o sangue jorra na tela deixando-a vermelha podem ser vistas de forma humorísticas, ironizando os excessos do gênero de horror. Por outras vezes, porém, o humor é involuntário, como quando perto do final os demônios se decompõem em stop-motion. De tão tosco chega a ser engraçado.
O filme todo transpira um clima amador, desde a feitura e os efeitos até as atuações, que por pouco se salvam do caricato. Até por isso e a falta de recursos melhores não se pode queixar das falhas de edição, continuidade ou alguns efeitos ridículos. E na mesma medida do amadorismo, transparece uma grande vontade de fazer cinema e botar em funcionamento suas idéias por parte do diretor, além da habilidade em criar uma atmosfera terrífica, seja pela direção inventiva com movimentos de câmera rápidos e enquadramentos inusitados, seja pela trilha insinuante, ou também pela maquiagem muito bem feita, apesar das dificuldades. Possessões como a desse filme deixariam o Pazuzu do Exorcista com inveja.
Quando lançado Evil Dead teve uma recepção controversa. Muitos aclamaram o filme, nomes como Stephen King se declararam fãs; em outros locais, porém, como Alemanha e Irlanda ele foi vetado. De qualquer forma o sucesso tinha sido atingido, e anos mais tarde Raimi lançou uma mistura de remake e continuação do filme (Evil Dead 2), agora pendendo mais para o lado cômico e fechou a ótima trilogia com “Army of Darkness”, se rendendo de vez ao paródico. A cine série angariou fãs por todo mundo e entrou para a cultura pop, invadindo o mundo dos games e quadrinhos.
Mas um texto sobre Evil Dead não estaria completo sem ao menos mencionar a figura de Ashley J. Williams ou apenas Ash, o único sobrevivente dos massacres causados pelo Necronomicon e em certa parte pela sua estupidez, um dos heróis mais incomuns e idiotas da história do cinema e um dos caras mais cool da face da terra. Mas não vá ver o filme pensando que vai encontrar este mito em plena ação. Em Evil Dead, o filme mais “sério” dos três, ele ainda era um jovem assustado e confuso com toda aquela situação, que ainda hesita em matar o demônio que está no corpo da sua namorada, o que é perfeitamente compreensível. Ao longo da história que ele vai moldando sua persona mítica e se torna o badass motherfucker que destrói zumbis e criaturas do gênero com sua Remington 12 cano duplo, enquanto solta suas one-liners memoráveis e faz tudo errado mas no fim dá tudo certo.
Enfim, Evil Dead é um clássico de terror trash ao qual muitos filmes mais recentes, como A Bruxa de Blair, devem muito e que é recomendado vivamente aos fãs do gênero; do contrário o seu visionamento pode ser uma experiência por demais repugnante.
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