“I see the bad moon arising”
Depois de dirigir a comédia musical "Os Irmãos Cara-de-Pau” (1980), sucesso de crítica e público, John Landis (bom diretor de comédias dos anos 70 e 80) recebeu carta branca dos estúdios e partiu para um projeto mais ousado e pessoal: reviver o mito do lobisomem nos cinemas, algo que já fora feito antes, mas agora de uma maneira mais autoral e cômica. Então com dinheiro e um bom roteiro (escrito por ele mesmo) nas mãos, boas idéias na cabeça, um elenco desconhecido e o melhor profissional de maquiagem cinematográfica (seu amigo Rick Baker) a sua disposição, Landis criou um pioneiro e genuíno representante do “terrir", gênero que mistura terror com boas doses de comédia. Assim nasceu "Um Lobisomem Americano em Londres".
"Lobisomem Americano..." conta a história de dois jovens americanos a mochilar pelo Velho Continente e que de uma hora para outra se veem envolvidos em uma maldição milenar que se manifesta nas noites de lua cheia. Como já foi comentado em vários lugares, os primeiros vinte minutos são uma verdadeira aula de como criar tensão e terror sem apelar para sustos fáceis ou o irritante volume sendo aumentado até níveis ensurdecedores, mas através do uso de elementos simples e eficientes, vindos daquelas velhas histórias de terror que costuma-se ouvir a beira da fogueira ou em reuniões de amigos, mas que nunca perdem força pela sua capacidade verdadeira de causar medo.
O filme começa com os dois jovens citados anteriormente, David e Jack (David Naughton e Griffin Dunne), pegando carona na boleia de um caminhão de ovelhas. Eles descem do caminhão e andam por uma estradinha conversando sobre a vida, namoradas e outras coisas (o interessante é que boa parte dessas falas foram improvisadas pelos próprios atores, por isso soam tão espontâneas). Continuam caminhando até o anoitecer quando chegam a um vilarejo incrustrado no interior da Inglaterra. Lá entram numa taberna de nome curioso-O Cordeiro Estraçalhado- e são recebidos com frieza pelos seus frequentadores, que parecem não gostar da presença dos forasteiros. Os dois por sua vez acham o lugar muito estranho e perguntam o porquê da presença de um pentagrama na parede (nessa hora é feita até uma referência ao filme O Lobisomem de 1941 com Bela Lugosi). É aí que o clima fecha de vez: depois de uma discussão os habitantes os expulsam do bar e lhes dão algumas sábias recomendações-sempre andar pela estrada e tomar cuidado com a lua-, mas como bons jovens americanos que são eles resolvem fazer tudo ao contrário e são atacados por uma criatura monstruosa. Jack morre e David fica ferido só não tendo o mesmo fim que seu amigo, pois alguns habitantes locais (os mesmos do bar) matam a fera antes disso e o salvam. Esta cena do ataque em especial é muito bem conduzida. Nada de câmera tremida, falsos sustos ou a trilha sonora assustadora típica desses momentos do filme. Não, tudo é muito cru e repentino, uma hora os dois estão caminhando tranquilamente e na outra estão sendo atacados, o que para mim tornou tudo mais crível e, portanto, mais assustador. Quando vemos Jack sendo estraçalhado pelo monstro, gritando socorro ao amigo, com este sem saber o que fazer é muito real, ponto para o filme.
Voltando a história, já em Londres onde David é levado para se recuperar, ele tem sonhos surreais e estranhos sobre o ataque que sofrera e é visitado pelo seu amigo morto Jack, todo ensanguentado e retalhado, ao contrário dos mortos de outros filmes que fazem suas aparições limpinhos, como se nada tivese acontecido a eles, o que convenhamos não é muito coerente. Pois bem, após o susto inicial, Jack comunica a David que ao sobreviver ao ataque da fera, que na verdade era um lobisomem, ele foi condenado a uma maldição e que ele próprio (David) se transformaria em um lobisomem toda noite de lua cheia. E mais, todas as pessoas mortas por David enquanto ele estiver no estado transformado serão vitimados ao estado de mortos-vivos, assim como Jack. Este então pede que David se mate antes que seja tarde, ou seja, antes que ele se transforme em lobisomem. Atormentado e ainda um pouco incrédulo com essas revelações, David sai do hospital e vai passar uma temporada na casa de Alex, a enfermeira que conheceu no hospital e com quem inicia um romance. O casal passeia por Londres e seus pontos turísticos e por um momento David esquece os acontecimentos terríveis por que passou. Mas em uma noite de lua cheia, enquanto Alex está de plantão, Jack volta a aparecer a David, só que mais putrefato e repugnante, e mais uma vez tenta o convencer a coisa certa: dar cabo a própria vida. Só que é tarde demais e ele começa a sentir coisas estranhas. Têm-se então o clímax do filme: a transformação de David em lobisomem.
Chega-se aí no ponto principal e ao verdadeiro feito do filme, aquele que o marcou para posteridade, para além do roteiro e da direção (ótimos também), que é a maquiagem cinematográfica, essa talentosa maquiagem que permitiu a impressionante e dolorosa transformação do protagonista em lobisomem, a melhor que o cinema criou até hoje. E dolorosa é a palavra certa para caracterizar essa transformação, pois o que vemos em tela é a pura representação de dor: ossos se alargando, crânio se expandindo, dentes crescendo, pêlos brotando, unhas surgindo, o próprio corpo quase não surportando tamanha mudança e gritos de horror. Tal dor e incômodo não ficou restrita ao personagem, o próprio ator que interpreta o protagonista passou por horas de maquiagem e implantes de próteses e lentes que o irritavam bastante, sem falar na fabricação dos moldes de gesso que despendiam dele outras várias horas completamente imóvel para não estragar a moldura. Todo esse exaustivo e engenhoso trabalho de maquiagem somado aos efeitos especiais e aos truques de direção e edição de Landis tiveram como resultado esta incrível cena de metamorfose que surpreende até hoje pelo realismo, muito melhor que a de lobisomens de filmes atuais como Van Helsing e Anjos da Noite, feitos de CGI e computação gráfica e que não inspiram um pingo de naturalidade. E o grande mérito dessa competente realização é de Rick Baker, um dos maiores maquiadores cinematográficos de todos os tempos, que fez o que pode se chamar sem exageros de um trabalho genial, que foi recompensado com um Oscar em uma categoria que acabara de ser inaugurada, a de Melhor Maquiagem em 1982.
O magnífico trabalho de Rick Baker acabou ofuscando a ótima direção de John Landis, que hoje em dia anda completamente esquecido. O roteiro escrito pelo próprio Landis quando ele tinha apenas 19 anos, é muito bem aproveitado no filme, principalmente no que diz respeito a presença de partes cômicas em perfeito equilíbrio com as partes assustadoras, ambas muito eficientes e não havendo sobreposição de nenhuma delas durante a história, o que tornaria o filme irregular e confuso. Aliás, a inserção de humor em um filme de terror foi pioneira e influenciaria muitos outros filmes como a trilogia Evil Dead, “Fome Animal”, e várias sequências das franquias “Sexta-Feira 13” e “A Hora do Pesadelo, que até tiveram um início “sério”, mas depois se renderam ao cômico. Outro ponto inteligente explorado foi o suspense, ao deixar para perto do final a aparição do monstro, a maneira de Spielberg em “Tubarão”.
A trilha sonora do filme é muito legal. Ela difere dos temas típicos de filmes de terror e é composta por várias músicas que falam sobre a lua (como “Blue Moon”, de Sam Cooke; “Bad Moon Rising” do Creedence; e “Moondance” do cantor Van Morrisson). Nada mais condizente a um filme de lobisomem e as músicas são muito boas. Quanto às atuações, elas não estão nada inspiradas, mas cumprem bem seu papel nas duas frentes do filme, horror e humor. A química entre os atores é muito boa também, principalmente dos dois protagonistas, que parecem ser amigos de verdade. Dos atores do filme nenhum vingou no cinema, tirando Griffin Dunne que fez o ótimo “Depois de Horas” do Scorsese.
Enfim, “Um Lobisomem Americano...” é um filme que criou conceitos e aprimorou as técnicas de efeitos especiais e maquiagem a outro patamar e um filme-referência dentro do sub-gênero de filmes de lobisomem, assim como “A Noite dos Mortos-Vivos” o é no gênero de zumbis. E para além dessas denominações é um ótimo filme de se ver, cinema de primeira qualidade, recomendado a todos que apreciam um bom filme de terror.
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