"SE A DISNEY FOSSE LOCALIZADA NO INFERNO".
Esse é um filme para se assistir com sangue nos olhos, com uma faca na mão, uma pistola no bolso e tomando pinga. Recordando que foi feito nos anos 90, é de se impressionar a quantidade de temas polêmicos abordados, desde estupros a violência extrema. Enquanto a Disney estava em seu "mundo ideal", com Aladdin e cia, a Madhouse resolveu homenagear o extremo oposto. Em 2012, surgiram informações sobre uma versão americana de Ninja Scroll, encabeçada pela Warner e produzida por Leonardo DiCaprio. Rezemos para que isso não aconteça. Algo como Ninja Scroll só poderia ser feito em animação, no Japão, e no século passado. Hoje em dia, os açougueiros de Hollywood cuidariam de cortar muitas cenas para atingir um público maior.
Homens misteriosos, no meio de uma tempestade e na calada da noite, aparecem diante de um vilarejo. Eles surgem e somem como um trovão. No dia seguinte, a população do vilarejo encontra cadáveres espalhados pelos cantos. Uma das aparentes sobreviventes alega, pouco antes de morrer, que o problema está na água, alimentando a hipótese de uma epidemia. É o bastante para esvaziar qualquer sinal de vida por lá. Mas nem todos acreditam nessa versão. Por isso, Hyobu Sakaki (Shūichirō Moriyama), chefe do clã Mochizuki, envia Hanza (Katsuji Mori), um membro dos ninjas Koga, para investigar o acontecido. Com Hanza, está a bela ninja Kagero (Emi Shinohara), uma provadora de venenos de ar melancólico. Durante a investigação, os ninjas de Koga são abatidos por um gigante metamorfo, Tessai (Ryūzaburō Ōtomo), restando apenas Kagero como sobrevivente, agora refém do monstro.
Estamos no período Tokugawa, entre o século XVII e XIX, num Japão feudal apocalíptico. Nessa época, remetendo ao imaginário do faroeste americano, a lei da espada impera, e isso se materializa principalmente na figura dos mercenários. Jubei Kibagami (Kōichi Yamadera) é um deles, um lobo-solitário que luta pela própria sobrevivência, vagando por lugares ermos e perigosos em busca de moedas de ouro. Passando por perto do vilarejo de Mochizuki, ele descobre a ninja Kagero sendo abusada por Tessai. Uma batalha terrível se dá entre os dois, mas Jubei se sobressai misteriosamente, e o gigante se desintegra diante dos seus olhos. Isso lhe custará caro, pois Tessai faz parte dos Oito Demônios de Kimon, uma organização implacável a serviço do Shogun das Trevas.
No meio dessa bagunça, aparece Dakuan (Takeshi Aono), um espião de Tokugawa em vestes monásticas, que pede o auxílio de Jubei para descobrir o que está acontecendo. Ele informa a Jubei que, na verdade, o mercenário não fora o assassino do gigante. Tessai morrera após ter abusado de Kagero, cujo corpo é tão venenoso, ressalta Dakuan, que apenas um toque na sua pele é o suficiente para abater um inimigo. Nas palavras dele, "uma mulher perfeita para viver neste mundo infernal". Parece complicado para uma sinopse, não? Bem, eis um dos maiores ganhos do filme; isso é explicado de forma orgânica e rápida.
Quanto aos aspectos técnicos, Ninja Scroll é uma referência até hoje, tendo ganhado, na época, o Festival de Filmes de Fantasia de Yubari, merecidamente. Além da animação fluída, Kawajiri consegue criar um clima infernal, cheio de violência criativa, tudo num jogo de palheta de cores que às vezes faz cair o queixo. Outro destaque são as técnicas bizarras dos demônios de Kimon, saindo direto da mitologia ninja, e, diferente de muitas animações japonesas, o traço é tão realista, e os planos do diretor tão bem executados, de modo a criar uma sensação de credibilidade, como se aquele lugar temível pudesse existir.
Aparecendo pouco, muitos personagens se tornam inesquecíveis, uma referência à competência da dublagem e da animação. Destaque para Emi Shinohara, dubladora de Kagero, que explicita o jeito inseguro da provadora de venenos, sempre desejosa de arriscar sua vida para esquecer a maldição do corpo. O sofrimento dela vai dos olhos à voz trêmula. Como Jubei, Koichi Yamadera também não fica atrás. Ele não é um lobo-solitário genérico. É um personagem ambíguo, reagindo de modo imprevisível. Parece que Jubei, mesmo naquele ambiente selvagem, às vezes deseja manter resquícios de caráter, algo que tem relação com o seu passado. E isso é uma das outras qualidades de Ninja Scroll. O clima desolador daquele Japão Feudal não permite moralidade, então nenhum dos personagens é bom, nem perto disso. Como diz Dakuan, “para se combater monstros, você deve se tornar um monstro”.
No fim das contas, Ninja Scroll é um filme de ação. Então o leitor não espere encontrar elementos complexos. Se estiverem em algum lugar, estão nos olhares, nas nuances das expressões e nas espadadas. O brilhantismo desse filme está na ambientação, no terror e suspense criados com minúcia. Enxergue esse filme no tempo em que foi criado e entenderá melhor o quanto causou impacto. E olha que não entreguei nem um terço. O que dizer sobre a luta final de Jubei contra Genma? Até a baladinha de encerramento – vale pesquisar a letra – se tornou inesquecível.
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