Autoconhecimento pelo medo. Curioso que nesse novo filme de Assayas – fácil um dos maiores diretores franceses vivos – o medo, o horror em si, não serve à plateia, como seria de se esperar num filme de terror, mas sim à personagem de Kristen Stewart. Não que não haja apelo na história de Personal Shopper, pelo contrário, várias questões/recursos do gênero estão em voga aqui, e é especialmente divertido ver como o diretor conseguiu convergir diferentes subgêneros numa peça única. A questão é que nada disso parecer ter sido feito com a intenção de tirar satisfação do espectador, sendo o propósito mais plausível um incomum estudo de personagem que usa o terror como artifício psicológico para abordar questões não materiais.
Aliás, parece haver mesmo uma dualidade entre material e imaterial que permeia todo filme através da protagonista. Maureen (Kristen Stewart) é uma jovem cuja vida é dividida majoritariamente entre seu emprego, uma personal shopper que vira Paris para comprar roupas e acessórios dos melhores estilistas para uma modelo famosa, e seu dom, pois acredita compartilhar da sensibilidade mediúnica de seu irmão gêmeo morto recentemente. É um trabalho extremamente materialista (havendo até uma dúvida sobre o interesse dela no mesmo, algo que fica pouco claro) em contraste com uma sensibilidade tão imaterial que a própria personagem duvida da sua veracidade.
Assayas, como amante de cinema que é (ex-crítico da prestigiada Cahiers du Cinema), não faz aqui outro filme metalinguístico, como Acima das Nuvens [2014] ou o maravilhoso Irma Vep [1996], mas não por isso ele deixa escapar a oportunidade de referenciar diferentes subgêneros e estilos. Personal Shopper engloba ao mesmo tempo o universo dos filmes de assombração – com direito a uma bela cena no típico casarão inabitado – e o dos filmes de slasher, com seus assassinos perturbados e anônimos. As conversas entre Maureen e seu stalker virtual tem a malícia e a pegada de tortura psicológica de um Pânico [1996], e são um ponto alto, embora o resultado seja bem previsível. Por outro lado, não é o mistério em si que importa aqui, e sim os efeitos que causa na jornada psicológica da personagem.
O que chama atenção, em meio a essa improvável mistura que é Personal Shopper (que além dos elementos já mencionados aborda ainda um viés espírita e questionamentos sobre a vida após a morte) é a economia cênica de Assayas, que se recusa a aderir aos maneirismos dos gêneros que aborda. Sua direção, premiada em Cannes mais cedo esse ano, aposta em planos mais longos, sem movimentos rápidos, com composições mais abertas que exploram os espaços e a relação (desconfortável até) de Stewart com eles. Não há porto seguro, toda cidade de Paris é negativa a Maureen, que ainda apegada à memória do irmão morto, insiste em esperar contato de seu espírito na cidade em que ele morreu.
Personal Shopper é um filme incomum, off, que pode parecer estranho ao espectador que (desinformado) vê Kristen Stewart nos créditos e espera um terror raso. Vale, por sinal, dedicar essas últimas linhas para reconhecer a atriz que, após o fim da desastrosa franquia Crepúsculo [2008-2012], vem feito excelentes trabalhos e firmando-se como um dos principais nomes da sua geração, e uma das atrizes mais interessantes do momento.
Texto do meu blog:
http://criticpop.blogspot.com.br/2016/10/critica-personal-shopper-2016.html
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