O Jogo da Imitação confronta-se com uma tarefa quase tão difícil quanto a de seu protagonista: entrar na mente de um homem “extraordinário” (no sentido literal da palavra) e torná-la compreensível para as pessoas “ordinárias”. No início da década de 60, um cineasta visionário buscou algo semelhante, filmando um dos mais espetaculares estudos de personagem da história do cinema acerca de um personagem real e durante uma guerra real, essa obra segue como referência até hoje: Lawrence da Arábia (David Lean, 1962). Infelizmente, as semelhanças entre o novo filme da Weinstein Company e o clássico de Lean limitam-se apenas à ambição, passando longe da realização.
Fica claro, em todos momentos do filme, o desejo de se criar um novo T.E Lawrence, um personagem excêntrico, carismático, arrogante e até inspirador. O desespero do roteiro de Graham Moore em superexplicar seu personagem psicologicamente – através dos desinteressantes e desnecessários flashbacks da juventude do mesmo – mostram a incapacidade de formar um personagem consistente por si só. Ora, Alan Turing era uma pessoa extremamente peculiar, de tal maneira que sua forma de agir ou de ser não poderiam ser explicados inteiramente por eventos de seu passado (uma vez que não são esses eventos que o fizeram assim, tendo eles, no máximo, agravado sua condição). Antes o filme tivesse investido em uma construção mais sutil e detalhista – muito mais eficiente nesse caso – do que numa descarada e forçada, certamente teria sido uma obra bem mais rica e duradoura.
Independentemente da superficialidade do roteiro e do pragmatismo exagerado da direção e da montagem (sobre as quais falarei em seguida), crédito deve ser dado a Benedict Cumberbatch (Sherlock e 12 Anos de Escravidão). O ator se entregou completamente ao desafio e conseguiu, por algum milagre, fazer de Turing um personagem divertido e minimamente envolvente. A intensidade de Cumberbatch, mais explorada na segunda metade do filme, é admirável e, mesmo com todas as caricaturas impostas pelo roteiro ao personagem, sua atuação é fantástica. Convincente e bem expressivo. Não se pode dizer o mesmo sobre seus colegas de cena, uma vez que todos, sem qualquer exceção, coadjuvantes do filme foram inexpressivos e dispensáveis, de tal forma que eu me pergunto o que, além do poder de Harvey Weinstein, fez com que Keira Knightley fossa indicada a qualquer premiação que fosse (no caso, Oscar, Globo de Ouro, SAG, Critics Choice Awards, entre outras).
Morten Tyldum é outro que gera dúvidas sobre suas indicações, uma vez que se contentou numa direção extremamente convencional e pragmática, sem acrescentar absolutamente nada ao filme e deixando todo o trabalho para Cumberbatch. A montagem entra na linha do diretor e dilapida ferozmente todas as cenas, extraindo delas qualquer possibilidade de envolvimento, quebrando inclusive momentos que requerem certa carga emocional (como na cena do rompimento entre Turing e Joan, por exemplo). A parte técnica (principalmente a fotografia e o design de produção), por sua vez, segue outra mentalidade e recai num artificialismo desproporcional, no esforço de fazer tudo parecer muito bonito. Antes tivesse apostado em um visual mais realista.
O Jogo da Imitação se sustenta, por conseguinte, na atuação de seu protagonista que, com um grande trabalho, dá algo positivo ao espectador. A falta de ritmo e a sensação de ter visto um filme de duas horas e meia (enquanto ele tem, na verdade, 113 minutos de duração) revelam um filme arrastado e pouco interessante. O pragmatismo de Tyldum, que funcionou no seu competente, porém nada mais do que divertido, suspense norueguês (Headhunters), passou anos-luz de distância do deslumbramento sensorial de Lean em Lawrence.
Texto originalmente publicado no meu blog:
http://criticpop.blogspot.com.br/2015/01/critica-o-jogo-da-imitacao-2014.html
A interpretação vale mais do que o filme, que não é ruim, mas não é essa coca-cola toda.... Texto muito bom, por sinal!
Obrigado, Cristian. Realmente, o filme não chega a ser terrível, mas completamente passável e esquecível.