É de se notar no início de Los Cronocrímenes uma estranheza pontuada por um senso de estagnação. Ao ponto que o carro percorre a estrada, o chão move-se, mas a passagem do tempo parece relativa, dependendo exclusivamente da nossa percepção. Acompanhamos assim, o casal Héctor e Clara que acabaram de se mudar para um casarão afastado, o tipo de vida pacata que moradores das grandes cidades parecem idealizar. As origens de Héctor e Clara não têm nem porque serem mostradas, seja na BMW que conduzem, seja nos equipamentos eletrônicos instalados em uma casa que ainda sequer possui móveis nos seus devidos lugares: Héctor e Clara são o típico casal que busca acalmar uma vida agitada.
Essa virada existencial, entretanto, não é necessariamente das mais fáceis e, mesmo antes de alguma coisa acontecer de fato na estória, já vemos Héctor como um sujeito bastante entediado – quase como se a mudança tivesse sido uma decisão da esposa. O clima imposto pelo filme não poderia ser mais “adaptativo”, que desde a fotografia quase que descolorada e os lentos movimentos de câmera até as situações cotidianamente desinteressantes, evoca um ambiente estático. Héctor precisa de um passatempo e o encontra através de um binóculo com o qual começa a observar a vizinhança - nada mais que vastos campos que se misturam a uma mata, não muito densa. É quando sua esposa lhe deixa sozinho – para ir às compras por que perdeu uma aposta sobre o tamanho da mesa que Héctor lhe havia comprado – que Héctor aproveita o momento de ainda mais calmaria para praticar com todo “vigor” seu hobbie. Os fatos seguintes são inimaginavelmente complexos. [com um quê de Janela Indiscreta, nas suas devidas proporções]
Los Cronocrímenes parte conceitualmente de uma ideia bastante explorada ao longo da história do cinema, a viagem temporal. E mesmo que não tenha uma abordagem extremamente original consegue usar alguns artifícios deste subgênero da ficção científica de modo a criar um clima de interesse constante. E a própria narrativa, que evoca um sentimento de mistério, se utiliza muito bem disto para criar uma tensão inteligente, diferentemente do que vemos no cinema atual de suspense e sustos. A câmera ganha com o tempo em agilidade, contrapondo a técnica empregada inicialmente, se mostrando um recurso que demonstra bem a transformação da situação vivenciada por Héctor – da calmaria a ação. Héctor, por sinal, é um elemento mais importante do que a própria viagem no tempo.
Com as consequências de seus atos, cada vez mais descontroladas, Héctor tenta de toda a maneira corrigir suas ações, e mesmo que o filme não vá muito a fundo na questão de diferentes alternativas (em função da sua duração), a transformação de sua personalidade é bastante crível. Uma vez posto sobre pressão, o primeiro sentimento de Héctor é o de ligar para a casa pela qual sentia tanta indiferença, e com o passar da estória, todos as suas ações definem voltar para a vida que levava. Crítica ou não, até mesmo por não se tratar de um filme extremamente profundo e, sim, que está interessado em contar uma história bacana, Los Cronocrímenes nos faz, pelo menos por um tempo, a pensar nas nossas decisões e dar mais valor ao mundo que nos rodeia. A jornada de Héctor não deixa de ser só de tempo, mas também conhecimento: nas poucas horas que ele volta ao passado consegue reavaliar muito de sua existência.
Por fim, Los Cronocrímenes deve servir de exemplo para outras produções de baixo orçamento, por se mostrar bem desenvolvido a partir de uma ideia simples – mas que no fundo é bastante complexa. Deixo aqui como um “porém” apenas seu final: o mesmo sentimento de que algo faltava na vida de Héctor se reflete com a subida dos créditos; por outro lado, alguém precisa realmente desse algo a mais?
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Divagações
Existem dois conceitos de viagem temporal ao passado – ainda existe a viagem temporal ao futuro, como O Planeta dos Macacos. No primeiro, e mais clássico, qualquer alteração no passado tem consequências no futuro de quem estava no passado e no “presente” de quem estava no futuro – como nas séries O Exterminador do Futuro e De Volta para o Futuro. A outra abordagem – aplicada no mais recente Star Trek – sugere que qualquer mudança no passado cria uma nova linha temporal, ou seja, os fatos antigos continuam a existir, mas em outra dimensão. Los Cronocrímenes se trata de um exemplar do primeiro grupo embora não fique evidentemente explícita a escolha por essa abordagem. De fato, isto não é nada menos que reflexo da inteligência e sutileza da trama, que não faz nenhum julgamento prévio de qualquer conhecimento do espectador, muito pelo contrário, deixa ele próprio tirar suas conclusões. Dito isto, preciso fazer ainda outra ressalva. Muito se tem comparado Los Cronocrímenes com Triângulo do Medo e, mesmo que ambas as estórias tenham consequências semelhantes – como três cópias de uma mesma pessoa interagindo – Los Cronocrímenes é um filme sobre viagens no tempo, enquanto Triângulo do Medo, mesmo que criando um espaço de “passado, presente e futuro”, o tem originado a partir de um processo de repetição e não essencialmente temporal. Enfim, são linhas de abordagem diferentes, não só na sua execução, mas também na proposta, o que deve evitar comparações e que cada filme seja avaliado pelo que realmente é.
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