Sou um atraso cultural em matéria de literatura. Ai, peguei pesado demais comigo mesmo. Vou reformular: Não tenho uma bagagem literária tão vasta quanto queria. Já li tanto grandes clássicos como os pops de cada geração e com certeza boa parte deles têm influência no meu repertório. Mas podia aproveitar mais, bem mais. É que ainda tenho sérios problemas para ler, sendo que alguns me dão vergonha de falar. Absolutamente nada pode estar acontecendo ao meu redor se estiver lendo; minha mente viaja facilmente pelas brisas mais fúteis até me dar conta de que passei por duas páginas sem ter lido nada; leio um parágrafo e às vezes já estou “pescando”. E assim vai. Busco melhorar e perder essa preguiça, afinal reconheço a tamanha importância dessa arte juntamente a outras que dou muito mais apreço, como pintura e cinema, por exemplo. Aliás, é graças ao cinema que posso desenvolver essa abordagem e dar um bom pretexto para afirmar que estou “progredindo” e que ainda consigo trazer algo de valor para você com isso.
Depois dessa introdução, não preciso mais me justificar ao dizer que só fui ler O Pequeno Príncipe em pleno Agosto de 2015. E adivinha? Foi porque eu vi a animação homônima no cinema sem saber de nada da história e aquilo me cativou (olha só, já tô manjando das referências!). Como me tornei responsável por isso (Gente, de novo!) me senti na obrigação pessoal de que “esse é o momento de ler essa coisa” e fui atrás. Li em duas, três tardes. Um feito histórico para mim! Tudo bem que não são nem 100 páginas e tem muito desenho, mas... é. Essa é a hora em que surge a polêmica questão de adaptações literárias e “quem é melhor” e “tem como o filme ser melhor” da vida.
Sobre o livro, não sei se há algo novo para dizer. Ele é fantástico. Atemporal e para todas as idades, ele surgiu no momento ideal. Um tempo de guerra e desesperança. Funcionou de forma inigualável e até hoje permanece inovador. O relato próximo de uma manifestação pessoal e manuscrita pela figura do aviador nos aproxima do contexto tão absurdo e facilmente nos insere na abertura a conhecer um universo tão onírico, que na verdade é reflexo do nosso. Planetas minúsculos com um único habitante em cada (bolhas sociais), tarefas repetitivas para combater o marasmo do isolamento e subversões das leis da astrofísica para gerar outros valores em cima do que nos é comum. As metáforas e alegorias que podem sair daí são infindáveis e dependem de cada um. O Planeta Terra se revela um lugar vasto em que não se passa pela cabeça da maioria sonhar em desvendar suas peculiaridades. Toda essa temática filosófica dentro de uma linguagem infantil, ingênua, aberta a qualquer hipótese. E claro, só esperando pra te fazer chorar um mar de rosas (Rosas... desculpa, parei).
Quanto ao filme, a reação de público e crítica ficou dividida. Vi gente criticando negativamente a liberdade que deram para contar outra história que “não é” a do Pequeno Príncipe. Mas achei que esse é o real fator positivo. O filme sabe que um livro é uma coisa e cinema é outra, fazendo disso seu trunfo para homenagear o clássico com identidade própria e narrativa inesperada. Não vi a adaptação live action dos anos 70 com Gene Wilder (que também foi criticada) para comparar, porém acredito que manter fielmente a narrativa de uma obra já tão dissecada nos dias de hoje não renderia um resultado nem perto do satisfatório. E nisso, essa atualização dos temas da criança que não deixa suas perguntas sem respostas se saiu original e prazerosa.
Partindo de uma espécie não definida de mundo urbano que parece um pouco com o nosso e parece um pouco com um futuro distópico do mesmo, temos mãe e filha, ambas obsessivas por trabalho e organização. Carregando um drama familiar, que se encaixa corretamente na trama, a atenção se volta para a jovem menina que começa a questionar seus objetivos de vida ao conhecer um senhor de idade na nostálgica casa ao lado, atolada de referências do livro, seja o avião enguiçado no quintal dos fundos, uma pelúcia de raposa simpática (digam-me onde vende isso, por favor por favor) e as próprias folhas que contam a história universal com suas fofas ilustrações, obviamente o elemento principal para motivar novas metas para a garota.
Em sua estética majoritariamente em CGI, bem semelhante à Pixar (muito de Up pode ser visto aqui), o diretor Mark Osborne e toda a equipe acertam ao mesclar stop motion nos trechos propriamente adaptados do original, se assemelhando às famosas aquarelas e utilizando tons de cores que oferecem um singelo apelo visual. Nesses trechos, a obra aparenta deixar um pouco de lado as vontades comerciais do produto e trabalham mais o campo artístico, inclusive se arriscando ao transpor os exatos diálogos com todas as formalidades de conjugação, algo distante das crianças de hoje. Outra boa sacada foi colocar os acontecimentos em ordem diferente do livro, o que deu um aspecto de resgate de memórias.
No terceiro ato, uma guinada inesperada surpreende, representando o principal catalisador de controvérsias. É assumida uma apropriação daquele mundo todo, recolocando personagens e situações em uma nova realidade moderna, surreal e mais obscura. É para dar mais ação e mandar ver no espetáculo? Sim. É para dar mais climão e deixar parecido com outros blockbusters? Sim. Mas vou dizer que isso me agradou e foi bem mediado. Deu um gás muito interessante e expandiu a narrativa de forma canônica. Vou parar por aqui para atiçar a imaginação de quem não viu.
O que poderia ter sido uma ordinária reciclagem desnecessária acabou obtendo o êxito de aspirar renovação no cinema para massas. Tente remover os baobás de julgamentos afobados sobre o filme e limpe a mente para ter um olhar sincero sobre essa proposta, no mínimo, curiosa. Encare como um pôr do sol que você já viu tantas vezes, mas ainda vê algo de especial. E se você ainda não leu o livro, vale muito a pena reservar um tempinho curto para compreender o porquê de tanto sucesso. Dê mais asas à imaginação e escute menos outras opiniões. Se quiser, ignore a minha também. Essas opiniões todas são muito adultas.
E adultos são muito estranhos.
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