Boas ideias são suficientes para se fazer um bom filme? A meu ver essa é pergunta central que deve ser respondida antes de se assistir ao filme A Viajem (Cloud Atlas), obra cinematográfica mais recente dos irmãos Andy e Lana Wachowski, em parceria com Tom Tykwer, e baseada na novela literária homônima de David Mitchell. O ambicioso filme (isso todos temos que concordar) narra seis histórias separadas no tempo (desde o século XIX) e no espaço e que, de alguma forma, se cruzam em certo momento do filme.
Nesse tipo de filme (com diversas histórias conectadas em algum ponto) é necessário (ou pelo menos impoirtante) que as histórias sejam boas isoladamente, que seus personagens sejam carismáticos para que o público seja envolvido por eles, independente das discussões maiores que possam surgir em relação às conexões existentes. E é nesse ponto que o filme deixa muito a desejar, as histórias em si não funcionam de forma isolada e as conexões entre elas muitas vezes não fazem o menor sentido. O que presenciamos é uma grande história sobre conexões de quatro histórias muito ruins e duas boas que, em algum momento da trama, são mal executadas.
Duas histórias não são nada mais que um amontoado de clichês e, com um pouco atenção, você consegue “prever” facilmente não apenas o final das mesmas, bem como os fatos que irão acontecer durante seus desenrolar. Essas histórias são a história onde Jim Sturgees interpreta um advogado envenenado por Tom Hanks que acaba sendo salvo por um escravo (David Gyasi), tornando-se amigo deste e a história em que Halle Berry interpreta uma jornalista que tenta as falhas em um projeto de construção de um reator nuclear levar ao conhecimento de todos. Clichês maiores do que a jornalista enfrentando todos os desafios para levar a verdade e desmontar o esqueme de algum lídero do governo/indústrias/empresas/etc ou de um jovem branco e rico que tem um choque de realidade de ser salvo por alguma minoria e, por isso, muda sua forma de encarar a vida e luta contra todos pelos seus novos ideais? Díficil hein...
A história em que Tom Hanks é o líder de uma tribo que recebe a visita de Halle Berry, que pede para viver com sua tribo não faz o menor sentido. Por que o personagem de Tom Hanks muda totalmente sua forma de agir com as pessoas? Quais as suas motivações? Pra mim essa história ficou completamente sem pé nem cabeça, bom como seus personagens (principalmente o espírito/demônio/sabe-se lá o que interpretado por Hugo Weaving).
A história em que Ben Whishaw é um compositor homossexual não é sem sentido, não exagera nos clichês (apesar de apelar para a questão da homofobia e seus reflexos na vida em sociedade), mas pra mim não funciona por um simples fato: é uma história ruim. Apesar disso, a fotografia e a direção de arte estão espetaculares nessa história, transmitindo claramente toda a melancolia e os lamentos dessa história. Outro ponto alto é a composição que o personagem de Ben Whishaw faz, que é realmente algo fantástico e me fez crer que no futuro alguém diria que "não consegue parar de ouví-la", como acontece como conexão com uma das histórias.
Por outro lado, a história em que Jim Broadbent interpreta um escritor relatando sua fuga de asilo, onde foi internado pelo irmão funciona muito bem, apesar de ser extremamente simples. Mas esse personagem é um dos que roubam a cena e conquistam o coração do público, com raros momentos de alegria em filme que, no geral, é basicamente trágico. Entretanto, algumas resoluções nessa história não funcionam como o romance do personagem principal com a personagem de Susan Sarandon. Também existem muitas pontas soltas, principalmente em relação ao que terá ocorrido com os irlandeses que estavam no encalço de nosso querido escritor.
Mas com certeza a melhor história é a em que Doona Bae interpreta uma garçonete clone na futurística cidade de Nova Seul. O despertar da consciência dessa personagem é, sem sombra de dúvidas, um dos pontos altos de todo o filme. Apesar disso, a maquiagem (que é realmente muito boa em alguns pontos) chega a incomodar. Nenhum personagem parece real por si só, além de que, em todas as cenas estamos de frente com Doona Bae para nos lembrar como uma pessoa asiática realmente se parece. Por outro lado, a técnica se destaca ao criar uma cidade futurística totalmente crível.
O que me faz ter certo entusiasmo em relação ao filme está exatamente na conexão existente entre essas duas últimas histórias. É no fato de que o que uma pessoa diz em determinado contexto, com determinada intenção poderia, no futuro, ser utilizado por outra pessoa em um contexto e com uma intenção completamente diferente que pra mim soou como algo realmente fabuloso. E isso fica claro quando a personagem de Doona Bae repete as palavras de Jim Broadbent, após assistir ao filme (que parece ser terrível, diga-se de passagem) sobre a vida daquele escritor como a chave para o seu despertar. Essas são as histórias mais diferentes entre si (uma é pura alegria e diversão e a outra chega a ser mais trágica que Romeu e Julieta) e o fato de haver uma forte conexão entre elas, que levam a pensar em algo mais profundo me deixou bastante animado.
As outras conexões não me parecem muito fortes, pois não há nada de substancial que fosse capaz de mudar as atitudes de alguém. A única tentativa é em conectar as duas histórias futurísticas, onde as palavras da personagem de Doona Bae ressoam no futuro onde ela é considerada uma deusa. Ok, a ideia é interessante em alguma medida, mas a dúvida é: as palavras dessa personagem realmente são tão envolventes e fortes para chegar a torná-la uma divindade e iniciar uma nova religião? Pra mim, soa exagerado e presunçoso.
Em resumo, ao sair do cinema a sensação que tive ao assistir a esse filme foi extremamente ambígua. Eu gostei muito da ideia central do filme, gostei muito da maioria dos pontos técnicos e de duas histórias. Por outro lado, muita coisa não faz sentido, muita coisa parece forçada com ares de genialidade.
Saí com um gosto de que o filme tem boas intenções, não muito bem executadas.
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