Após as 12 indicações ao Oscar desse ano, Lincoln despontou como mais um filme conduzido com o toque característico de Spielberg ao tratar de temas históricos, mas não é bem assim. Quem espera assistir a mais um épico histórico conduzido por Spielberg nos moldes de “Amistad“ e “A lista de Schindler”, cuidado! A decepção pode ser inevitável. O que mais me impressionou em Lincoln é justamente o fato do filme não ser exatamente “a cara do Spielberg” e de focar em pontos inesperados da vida do presidente norte americano. É certo que temi que o filme fosse mais próximo a um “Cavalo de guerra”, um melodrama exagerado de uma história vazia, apelando para recursos como a música subindo incessantemente no intuito de retirar uma lágrima forçada dos olhos do expectador.
Mas não. Definitivamente, Lincoln não se assemelha em nada à última produção de Spielberg. Aqui, pelo contrário, o filme adquire uma dinâmica inesperada, nem um pouco arrastada, cheia de diálogos extremamente interessantes (e olha que o que não falta nesse filme são diálogos, muitas vezes bastante longos). Isso se deve, em grande parte, ao fato de o diretor não se ater ao drama em si, mas à conturbada relação familiar do presidente americano e aos bastidores políticos para aprovação da 13ª ementa, além do roteiro preciso de Tony Kushner.
A discussão em torno da relação delicada entre Abraham Lincoln (Daniel Day-Lewis) e a primeira-dama Mary Todd Lincoln (Sally Field) me parece uma escolha interessante e surpreendente. Claro que as atuações magistrais de ambos os atores favorecem muito esse plot. Por outro lado, a relação entre o presidente e seu filho Robert (Joseph Gordon-Levitt) não funciona e é, em certa medida, desnecessária, mal construída e superficial. Tommy Lee Jones está bem, mas não chega a ser esse talento todo que vem sendo comentado em algumas mídias. É eficiente no papel, mas não chega sequer a esbarrar nas atuações de Sally Field e do monstro Daniel Day-Lewis.
Mas o que realmente funciona muito bem, e sustenta o filme, é o plot relacionado à aprovação da 13ª ementa. Mais interessante ainda são as armações e tramoias (que em muitos momentos beiram a corrupção, quando não a caracterizam) para conseguir a abolição da escravidão. Essas indagações sobre passar por cima de barreiras éticas importantes em busca de um bem maior são interessantes e surpreendentes, questionando a razão do expectador sobre certo e errado. Outro ponto alto é o dilema entre aprovar a 13ª ementa ou findar a Guerra Civil, que havia matado uma grande quantidade de pessoas e, ao que tudo indicava, entraria em mais uma fase extremamente sangrenta. A cena final sustenta essa ideia, mostrando as consequências inevitáveis de qualquer escolha, por mais justa e digna que seja, consequências essas nem sempre muito agradáveis.
Por isso mesmo, Lincoln merece, sim, a maioria das indicações que recebeu pela Academia e todo o burburinho da plateia. O que é exagerado é a indicação de Spielberg à direção. Não é clara a mão do diretor como algo fundamental no filme. Na verdade, parece que ele foi muito feliz em escolher o elenco e permitir que os atores criem em cima de um texto fabuloso. As tomadas cansam em alguns momentos, pela repetição. As cenas são muito parecidas e abundam tomadas distantes que, aos poucos, se aproximam dos personagens que desenvolvem seus diálogos inspiradores (e quase sempre bastante interessantes). Incomoda-me saber que Ben Affleck (por “Argo”), Kathryn Bigelow (por “A hora mais escura”), Quentin Tarantino (por "Django livre") e até mesmo Tom Hooper (por “Os miseráveis”) não figuram entre os cinco indicados, com trabalhos muito melhores e mais audaciosos (repito: até Tom Hooper!).
Também seria interessante ver um Lincoln não tão raso na sua construção e, principalmente, não tão perfeito e endeusado todo o tempo. Apesar da atuação sem retoques de Day-Lewis, Lincoln só levanta a voz uma vez o filme todo e parece que tudo que o presidente diz é genial. Não são expostas as suas razões pela defesa da abolição, o presidente não tem dúvidas, não comete erros, não tem nem um respingo sequer de algo mais humano. E, do outro lado, os congressistas democratas aparecem como os grandes vilões quase que por natureza. Os motivos para estados do sul se posicionarem contra a aprovação da 13ª ementa quase passam batidos, não fosse uma ligeira sugestão de argumento por um personagem que diz que "nossa economia vai acabar", já bem no final do filme.
É um filme que surpreende por não ter a cara de certos filmes do Spielberg com o mesmo plot, que explora outros pontos da vida do presidente americano e esquece o lado melodramátrico e o apelo para as lágrimas fáceis, mas que questiona certos valores morais, mesmo que de forma bastante superficial. Não é o melhor filme do ano, mas tem bons momentos, realçados por atuações excepcionais que valem o ingresso.
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