Woody Allen nunca escondeu sua admiração por Ingmar Bergman. No começo de sua carreira, porém, o americano fazia um humor escrachado e ácido, sarcástico por natureza. Obras como Bananas (idem, 1971) e Tudo que Você Sempre Quis Saber Sobre Sexo e Tinha Medo de Perguntar (Everything You Always Wanted to Know About Sex But Were Afraid to Ask, 1972), são o retrato perfeito dessa primeira fase do diretor. Bergman por outro lado teve sempre como principal caraterística o drama e suas aventuras na comédia, como em O Olho do Diabo (Djävulens Öga, 1960) e Para Não Falar de Todas Essas Mulheres (För Att Inte Tala Om Alla Dessa Kvinnor, 1964), não foram satisfatórias nem para ele e nem para a crítica.
Foi em Noivo Neurótico, Noiva Nervosa (Annie Hall, 1977) que Allen, apesar de não deixar de lado o humor, deu os primeiros passos em direção ao verdadeiro trabalho com os personagens e suas relações entre si. A partir daí, talvez inspirado por Cenas de Um Casamento (Scener Ur Ett Äktenskap, 1973), de Bergman, o nova-yorkino focou seus principais trabalhos na dura batalha de tentar entender as relações entre casais. Ao mesmo tempo em que usava a comédia para tratar desses temas, como em Manhattan (idem, 1979) e Crimes e Pecados (Crimes And Misdemeanors, 1989), de tempos em tempos Allen também se voltava totalmente para o drama Bergmaniano. Foi assim em Setembro (September, 1987). Em A Outra (Another Woman, 1988). E até em Memórias (Stardust Memories, 1980), que apesar ter também comédia, é praticamente uma homenagem a Morangos Silvestres (Smultronstället, 1957).
Porém foi aqui a primeira experiência de Allen com esse tipo de drama. Em 1978, apenas um ano depois de se consolidar com Noivo Neurótico, Noiva Nervosa, o diretor muda totalmente o rumo de sua filmografia com o introspectivo Interiores (Interiors). Sem sequer um frame de comédia, sem direito a nenhuma piada ou gracejo, o filme é provavelmente o mais próximo que Allen chegou de seu ídolo maior. Um trabalho corajoso e até triste, Interiores é um grande exercício de roteiro que abre espaço para excelentes atuações de seu elenco.
Uma família sem sobrenome, talvez porque tenha os mesmos problemas de muitas famílias por aí, passa por sua grande crise quando Arthur (E.G. Marshall), o pai, decide se separar de sua esposa Eve (Geraldine Page). Em meio a isso, suas filhas Renata (Diane Keaton) e Joey (Mary Beth Hurt) vivem seus próprios conflitos no casamento. Ainda há espaço para a outra filha, Flyn (Kristin Griffith) aparecer de tempos em tempos. Ela é uma atriz de filmes pequenos e de qualidade duvidosa, sem dúvida a mais bela, porém a menos requintada.
Ao mesmo tempo em que usa a ruptura da família para debater sobre a fragilidade do casamento, Allen mostra a preocupação existencial de adultos infelizes com seus trabalhos e escolhas. Renata é uma poetisa adorada pela crítica, mas que por outro lado não se sente satisfeita com seu trabalho. Ela ainda tem dificuldades no seu casamento com o escritor Frederik (Richard Jordan), uma promessa da literatura que não vingou e que agora vive bêbado remoendo as mágoas. Joey (Mary Beth Hurt), que pula de emprego em emprego é uma mulher tremendamente frustrada que, quando mais nova, sempre viveu à sombra de Renata e de sua mãe. Enquanto isso, seu marido Milke (Sam Waterston) se vê com problemas ao ter que aturar as neuras de sua sogra, que vive da esperança de que seu marido reatará os laços com ela.
Allen constrói todo seu filme a partir da casa onde a família se formou. Quando o marido e a esposa eram felizes e suas crianças admiráveis. Uma casa à beira da praia, com um mar revolto e um céu cinzento. Esse lar é mostrado apenas no início e no fim do filme. Tudo começa e termina nele. Apesar do miolo da obra acontecer na cidade, é a quietude da praia, que conta apenas com o som das ondas batendo na areia, que traz à tona o interior dos personagens. Um interior ora silencioso, ora barulhento.
Sempre disposto a focar nos diálogos, em Interiores Allen deixa de lado o seu veículo favorito para eles, os personagens irônicos, para ter protagonistas e coadjuvantes indecisos e circunspectos. Já se espera destaque natural de Diane Keaton, porém é Mary Beth Hurt quem eleva a obra a outro nível. Vivendo uma personagem frustrada e até desesperada em alguns momentos, é possível se comover com a mulher que se esconde atrás daqueles gigantes óculos arredondados e cabelos cuidadosamente aparados em torno da nuca.
Destratado por muitos e até esquecido pela maioria, Interiores é um grande trabalho na filmografia de Woody Allen. Escondido entre os sucessos Noivo Neurótico, Noiva Nervosa e Manhattan, o filme é uma pérola que merece mais atenção e carinho.
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