O velho embate entre ciência e misticismo é o que embala O Ciclo do Pavor (Operazione Paura,1966), de Mario Bava. Paul Eswai (Giacomo Rossi-Stuart) é um médico legista que vai a um pequeno vilarejo para fazer a autópsia de uma moça recém-morta. Já ao chegar ele se depara com todo o silêncio e receio da população diante do caso, por acreditarem ser proveniente de uma maldição. O homem da ciência não crê nessa versão e, aos poucos, vai adentrando na vida dos moradores para investigar suas relações com o sobrenatural.
O mais curioso de O Ciclo do Pavor é que o ritmo de sua primeira cena vá justamente no caminho contrário de todo o resto do filme. O início brusco, com um grito arrepiante e pedidos de socorro de uma mulher que foge sabe-se lá do quê, não encontra um ritmo semelhante até o terceiro ato, quando o ciclo de mortes volta. Não que isso seja ruim. Apenas é um outro rumo, já que a extrema violência costumeira do cinema Giallo, some nesse filme para dar lugar a um suspense que lembra muito o clima paranoico de Um Corpo que Cai (Vertigo,1958), de Alfred Hitchcock.
Se em Banho de Sangue (Reazione a Catena, 1971), Bava influenciou uma série de filmes de terror hollywoodianos dos anos 80, principalmente a saga de Sexta-feira 13, em O Ciclo do Pavor ele prefere seguir uma linha mais próxima de filmes atmosféricos. A narrativa de um estrangeiro chegando a uma terra fortemente presa ao misticismo remete a filmes de Jacques Tourneur da década de 40 e encontra em O Homem de Palha (The Wicker Man, 1973), de Robin Hardy, talvez o seu maior eco.
Falando em Jacques Tourneur, talvez esse seja o maior influente em O Ciclo do Pavor. Para quem se lembra de suas três pérolas do começo da década de 40, Sangue de Pantera (Cat People, 1942), O Homem Leopardo (The Leopard Man, 1943) e A Morta Viva (I Walked With A Zombie, 1943) sentirá aqui o mesmo clima de mistério e magia negra presentes. Do mesmo modo, os cuidados com a ambientação de cena e a iluminação remetem às obras em que Roger Corman adaptou Edgar Allan Poe, como A Queda da Casa de Usher (House Of Usher, 1960) e O Poço e o Pêndulo (The Pit And The Pendulum, 1961).
Fazer um filme de época é sempre um desafio, ainda mais quando a equipe não dispõe de um orçamento estratosférico para a adaptação. Em O Ciclo do Pavor, o cuidado com a ambientação é um dos pontos fortes da obra, com bonitos cenários e figurino convincente. Não seria errado também afirmar que muito disso se destaca através da iluminação. E gelo seco. Muito gelo seco. A iluminação, que sempre foi um dos destaques na filmografia de Bava, transita entre as cores pálidas que envolvem em sombras um lado dos rostos dos personagens – outra vez Tourneur – e as luzes coloridas que contrapõe o clima obscuro dos cenários.
A direção de Bava está aqui em seu ápice, ele usa diversos planos e movimentos de câmera extraordinários para conseguir diferentes efeitos no espectador. Com vários zooms, ele trabalha o suspense para assustar apenas com as expressões de seus atores. Além disso, os planos do balanço e a sequência final, com a escada em espiral imergem completamente o espectador na mise-en-scene.
Apostando num corajoso jogo de esconder, Bava troca a violência pelo enigma. E acerta, pois ganha o espectador, que fica preso ao filme do primeiro ao último frame. O filme começa na noite e termina no amanhecer, com o sol nascendo e quebrando o ciclo de escuridão. Falando de ciclos, o longa é como um, começa rápido, passa por momentos de suspense até voltar a sua freneticidade ao final. Apesar do viés sobrenatural se confirmar a partir de determinado momento, fica claro também que ele não age sozinho, ele precisa de um veículo, o ódio terrestre. E para salvar a todos, é preciso esganar o ódio, deixa-lo sem fôlego e até se sacrificar. Apenas assim é possível acabar com o ciclo das mentiras, o ciclo das mortes, o ciclo do pavor.
*Texto escrito originalmente para o blog Cine Alphaville.
Belíssimo texto Gian! Tô até com vergonha do meu
Que isso, cara 😏