Dizem que a vida é muito curta. Nossa visão de tempo, porém, se mostra por vezes limitada. Se por um lado cometemos diariamente clichês acerca da noção do tempo, – quantas vezes nesse final de ano você não ouviu a máximo “ah, como passou rápido esse ano” –, por outro nos sentimos entediados quando não estamos fazendo nada. Como se fazer nada fosse um imenso problema, como se ao não fazer nada estivéssemos sendo um estorvo para a humanidade. Produção! Produção! Produção! Grita o nosso cérebro condicionado a não sair do piloto automático. E a falta dessa pausa faz com que a vida passe rápido, até demais. E quando paramos, na aposentadoria, por exemplo, a vida, que até agora passou rápida demais, se alonga preguiçosa diante de nós. Ó tédio.
Dou um ctrl + s para salvar o texto. É uma tecla de atalho que, assim como as outras, serve para agilizar o nosso trabalho. Afinal, tirar as mãos do teclado, pegar o mouse e levar o cursor até aquele símbolo do disquete – símbolo do antigo, do atrasado, que passou já –, é demorado demais. Mais fácil dar um crtl + s e pronto. Essa cena existe em Os Belos Dias (Les Beaux Jours, 2013), de Marion Vernoux. Não tão explicada assim, mas é só prestar atenção e você verá o sentido dela. É um movimento ágil que poupamos no nosso cotidiano pois não temos tempo de analisa-lo. Não temos tempo a perder. Tem que viver. Viver. Viver. E viver. Mesmo que para isso não se viva.
Os Belos Dias não se concentram em contar muito do que aconteceu a Caroline (Fanny Ardant) antes de sua aposentadoria. Ou seja, o que ela viveu, ou deixou de viver, até ali. Sabe-se que ela era dentista, focada no trabalho e que perdeu recentemente sua melhor amiga. O pior de tudo, Caroline deixou de acompanhar sua amiga nos últimos momentos porque estava ocupada demais trabalhando. Então Caroline decidiu parar. A aposentadoria repentina (novamente, não podemos perder tempo nem desacelerando, devemos logo frear) lhe abriu um enorme espaço na agenda. De presente das filhas ela ganha uma promoção no “Belos Dias”, uma espécie de escola para aposentados aprenderem informática, teatro, artes, entre outras coisas.
Então os dias de Caroline voltam a ser belos. Na escola ela conhece o professor de informática Julien (Laurent Lafitte) com quem começa a ter um caso. Ele tem a idade das filhas dela, por volta de 35 anos. Ela já tem seus 60. Ele tem a necessidade recorrente dos jovens de hoje de mexer no celular enquanto come. Ela degusta um bom vinho. O conflito de gerações é apenas um pequeno porém que causa certo desconforto em dados momentos, mas nunca incomoda mais do que um pouquinho. Caroline é jovial e aberta, segura de si não vê problemas em sua conduta nem na do amante.
Enquanto isso Caroline segue com sua vida de aposentada e seu casamento de companheirismo com Philippe (Patrick Chesnais). Marion acerta ao não colocar julgamentos na obra, o que é uma tarefa difícil, já que ele depende também do bom senso do espectador. Mas aqui não há como julgar Caroline, seus atos são singelos, mesmo que se tratem de uma traição.
Fanny Ardant é espetacular dando vida a protagonista. Sua beleza conservada está muito mais em sua aura do que em seu corpo. A autoestima da personagem torna todas as suas escolhas corriqueiras, e até quando ela se envergonha – cena em que bebe um pouco demais no restaurante e não sabe direito como flertar –, sua naturalidade é comovente. Mesmo com outras boas atuações – eu destacaria também Chesnais –, é Fanny quem carrega todo o filme.
Além de a obra ter esse nome por causa da escola para idosos e por trazer essa nova perspectiva de dias e tempo para Caroline, os belos dias podem se referir também à fotografia do filme. Os dias que ela retrata são de fato belos. As praias frias, o vento e até a chuva que deixam a França cinzenta abrem espaço também para o sol e para as nuvens que embelezam o dia. Se no decorrer da película a preocupação de Marion com as cenas do cotidiano é que tenham uma linguagem naturalista, de outra forma são intercalados com elas os momentos em que Caroline vai à praia, passeia pela areia e admira o mar, com uma filmagem muito mais contemplativa e poética.
E é na praia que tudo termina. Apesar de o tema levantar a questão do tempo pelo viés das contradições humanas, Os Belos Dias tem em sua cena final uma mensagem otimista. Na beira do mar os idosos e os mais jovens se jogam à água. De maiôs, biquínis, calções e até nus, eles não tem vergonha do corpo. O corpo que não foi castigado pelo tempo, apenas o viu passar e se moldou a ele. O corpo que viu tantos belos dias e ainda tem muitos para ver.
*Texto escrito originalmente para o blog Cine Alphaville.
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