Somos todos ilhas. Se houvesse uma daquelas frases ou citações que às vezes se vê por aí antes de um filme começar, a frase de A Aventura (L’avventura, 1960) seria essa. Somos todos ilhas. Não é coincidência metade da história se passar numa ilha propriamente dita. Muito menos o fato dessa ilha ser um emaranhado de rochas, sem areia e muito menos um coqueiro para abrigar um viajante perdido na sombra.
Anna (Lea Massari) é uma jovem inquieta com seu relacionamento conturbado com Sandro (Gabriele Ferzetti). Após ficarem tempos sem se ver, eles finalmente se reencontram para uma viagem de barco com alguns amigos. Antes disso porém, os dois se veem em um quarto de hotel, mais por sorte de Sandro do que outra coisa. Anna o evita constantemente, mas sempre acaba cedendo às investidas do amante.
Já na costa de uma ilha do litoral italiano, os amigos nadam no mar e conversam em meio a banhos de sol e jogos de cartas. Ao desembarcarem para explorar a ilha é que Anna desaparece. Todos procuram por ela enquanto julgam uns aos outros e avaliam o nível de culpabilidade de cada um no desaparecimento da garota. Ao pernoitarem na ilha, Sandro e Claudia (Monica Vitti) passam de rusgas à atração mútua, que é desenvolvida durante os dias posteriores na cidade e a iminente conclusão de que Anna nunca reaparecerá.
Após avisarem autoridades locais sobre o sumiço da amiga, a ilha é revirada por policiais e pela guarda costeira, que não acham nenhum sinal de Anna. A hipótese de suicídio é descartada, afinal corpo não há. Então se trabalha com a ideia de que Anna fugiu para sempre, cansada da vida que tinha. Vida essa que nunca foi retratada, porém parecia carregar uma pesada existência no rosto da jovem.
E é na cidade que Sandro investe de vez para tentar conquistar Claudia. Com longos diálogos e cenas que remetem ao tipo de relação que o homem tinha antes com a agora desaparecida, a cidade parece também uma ilha. Cena curiosa é a em que Claudia e Sandro estão no alto de uma igreja e, ao olharmos para a cidade ao fundo, só vemos prédios de concreto. Estrutura arquitetônica muito semelhante à orgânica daquela ilha do começo do filme, que brotava solitária no mar.
A fotografia em preto de branco de A Aventura ainda hoje é relembrada como uma das principais qualidades do filme. Na ilha temos belos momentos usando o sol como fonte de luminosidade. Já na cidade a câmera ora mostra planos abertos, destacando a imensidão da cidade e a pequenitude dos personagens, ora foca no rosto dos amantes que se esgueiram por corredores de trens e por quartos de hotel.
Outro ponto a se destacar, como não poderia deixar de ser, é a direção de Michelangelo Antonioni. Sendo esse o primeiro filme da Trilogia da Incomunicabilidade, que conta ainda com A Noite (La Notte, 1961) e O Eclipse (L’eclisse, 1962), A Aventura é uma bela introdução ao mundo dos casais que sentem a dificuldade de se comunicar com seus parceiros. Aqui Antonioni usa diálogos extensos e cenas longas para refletir no espectador a dificuldade de comunicação entre os personagens.
E sobre todos serem ilhas no filme de Antonioni? Simples pois é como na vida. Todos somos ilhas porque estamos sozinhos e solitários aqui. A nossa condição que determina a socialização, porém depois de milhares de anos de convívio ainda não aprendemos isso. Achamos que aprendemos, mas é para mostrar que não que servem filmes como esse. Culpamos os outros por sumiços alheios, não sabemos como interpretar o desejo de terceiros e muito menos os nossos. Por isso estamos sempre distantes uns dos outros, como ilhas que brotam no oceano. Podem estar próximas a ponto de formarem um arquipélago, mas nunca se tocarão de fato.
*Texto escrito originalmente para o blog Cine Alphaville.
Comentários (0)
Faça login para comentar.
Responder Comentário