Sabrina, de Billy Wilder, é um dos grandes representantes do cinema romântico hollywoodiano dos anos 50: tremendamente sofisticado (a classe alta e alienada americana nunca foi tão irresistível), com um triângulo amoroso de deixar qualquer amante do star-system babando e, se Paris não é exatamente pano de fundo, a cidade da luz serve como mediadora parcial da jornada romântica.
Os personagens principais das obras de Wilder estão geralmente fingindo ser o que não são pelos mais variados motivos: para obter um lugar ao sol, enganar o vício, recuperar a carreira ou até mesmo para escapar da polícia ou da justiça. Existem também aqueles que se transvestem por conta do amor. Sabrina (Audrey Hepburn) não é nenhum desses personagens. Ela nunca finge ser outra pessoa e por isso já tem uma de suas maiores provações logo no inicio da película. Apenas uma ação completamente transformadora dará à heroína uma verdadeira chance de felicidade.
O amor platônico pelo ‘patrão’ ocupou a maior parte da infância e adolescência de Sabrina. Agora, no começo da vida adulta, a filha do motorista dos Larrabee tem a chance de ir a Paris para estudar culinária, se tornar uma chefe e esquecer sua obsessão. Porém ao regressar, transformada e decidida, ela terá que lidar com o esvaziamento de sua paixão e com a descoberta do verdadeiro amor.
No primeiro ato da obra, Wilder leva um tempo necessário para criar um verdadeiro clima de contos de fadas quase às avessas: a gata borralheira suicida testemunhando a galinhagem do príncipe encantado mimado. Tudo é muito dolorosamente romântico, mas também crível, pois o espectador precisa acreditar no sentimento de Sabrina pelo irmão mais novo (William Holden, loiríssimo e irresistível). Dentro do universo cínico do diretor, conseguimos ingressar na jornada de transformação pura de Sabrina de garota a mulher, ainda que, nos moldes dos anos românticos, ela precise de um homem mais velho e experiente para catalisar essa mudança.
Wilder gosta de ser discreto com a câmera. A sofisticação do artista reside em não chamar atenção para si, mas para história que está contando. É interessante notar como ele enquadra a personagem de Audrey quando ela está escrevendo uma carta: com uma janela ao fundo aberta para a cidade do amor, a câmera vai lentamente se aproximando do rosto que escreve e quando menos esperamos, o rosto toma a tela para depois se dissolver em uma personagem completamente transfigurada, deslumbrante dentro de uma das coleções de figurinos mais espetaculares de Edith Head.
Wilder sabe da beldade que tem nas mãos e não desperdiça nenhuma tomada com a musa, seja quando ela está valsando sonhadoramente na quadra de tênis ou dançando apaixonada. O diretor sempre capta o rosto da atriz com sutileza e faz com que seu corpo exiba uma pose de princesa-atleta-bailarina fascinante. Ele também investe em planos abertos para deixar Hepburn se exprimir através de sua postura elegante - destaque para quando a atriz é captada em contraluz saindo do cais, quando valsa sozinha e quando está cozinhando para Bogart.
Houve poucas mulheres como Audrey Hepburn e também houve poucos diretores que souberam captar sua imagem de menina-moleca etérea tão bem. Observe, por exemplo, como a luz capta suavemente seus olhos tão expressivos quando ela está dependurada na árvore, quando está jantando com o irmão mais velho (Humphrey Bogart) ou ainda quando encara o Larrabee mais novo já certa de seu novo sentimento.
É incrível comparar a nossa era de filmes românticos repletos de clichês com a delicadeza e tenuidade que Wilder confere a cada mudança de atitude dos personagens de Hepburn e Bogart, este último indo de homem de negócios frio e calculista a alguém completamente apaixonado. Num momento chave da obra, há um olhar com que Bogart observa Sabrina, com um misto de amor, dúvida e pena de si mesmo, capturado de uma forma tão suave e fugaz pelo diretor que acaba por exprimir toda finura e delicadeza do filme. Na verdade, será o personagem de Bogart que terá que arcar com as consequências por criar uma farsa para afastar Sabrina de seu primeiro amado.
Wilder também é hábil em sintonizar sua ironia sutil em relação à classe alta americana e até uma ligeira comédia pastelão (todo o arco cômico do vidro feito de cana-de-açúcar) com sequências românticas que já nascem clássicas, entre elas é imprescindível destacar a descoberta de Sabrina do plano de seu novo amado em mandá-la para longe dos Larabee. O momento da dor da despedida é lindo e discreto, uma sequência muitas vezes copiada mas nunca igualada.
A química entre Bogart e Hepburn é incrivelmente irresistível, poucos casais hollywoodianos foram capturados pela câmera com tanta afeição. Wilder também não se esquece do personagem de Holden, e mantém o suspense do trio romântico até os últimos momentos da trama. Essa lentidão na marcha dos amantes é algo perdido em Hollywood hoje em dia.
Visto hoje, Sabrina pode não ser considerado pertencente ao primeiro patamar das obras de Billy Wilder, que tem na filmografia uma penca de obras polêmicas e dramaticamente mais fortes. Porém, a química entre Bogart e Hepburn é tão incrivelmente irresistível que faz desse um dos melhores romances já postos na tela, feito de amor, elegância, discrição, La Vie en Rose, sombras e luz.
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