O cinema latino-americano, desde a origem do som até a década de 1960, se concentrou em três países: Argentina, Brasil e México. Uma grande parte dessas produções era voltada para aspectos políticos, que incorporou influências externas, um bom exemplo a ser citado é a produção no Brasil na década de 60, que foi influenciada pelo neo-realismo italiano e pela nouvelle vauge, que deu origem ao chamado "Cinema novo". Já na mesma época, as produções mexicanas e argentinas perderam as forças, ressurgindo apenas timidamente na década de 80. Apesar da crise econômica, a Argentina passou por uma revigoração maior na década seguinte, incorporando aspectos do cinema americano dos anos 90, e se mantém até hoje com ótimos filmes, como "O Filho da Noiva, "Plata Quemada" e a obra a ser criticada, "Nove Rainhas".
O filme de Fabián Bielinsky é uma mistura de suspense e comédia. Dois golpistas, Juan (Gastón Pauls) e Marcos (Ricardo Darín), se conhecem depois da falha tentativa de Juan de aplicar um pequeno golpe numa mercearia. Marcos é um tranbiqueiro experiente que, ao notar a aparente falta de experiência de Juan, propõe ajudá-lo ensinando novos golpes e truques. Juan, depois de hesitar por um momento, aceita a proposta, e os dois picaretas passam boa parte do dia aplicando pequenos golpes dos mais variados: em uma velhinha, num restaurante e até em uma senhora no elevador.Tudo muda com o aparecimento de uma proposta de um golpe milionário aparece para os dois: vender selos raros (porém falsificados), conhecidos como "Nove Rainhas", para um rico empresário que está prestes a deixar o país, logo, a negociação precisa ser feita o mais rápido possível.
Quando um filme é protagonizado por anti-heróis, os personagens precisam criar, logo de cara, uma empatia com o público. Obras como "Butch Cassidy", "Os Bons Companheiros" e "Os Suspeitos" foram bem sucedidos nesse quesito, e não é diferente com "Nove Rainhas". Juan e Marcos caem na graça do público, fazendo com que seus atos, por mais mesquinhos, não sejam anatematizados. O primeiro ato, concentrado nos pequenos golpes, é bastante divertido, Bielinsky promove cenas ágeis e convincentes, apoiado nas ótimas atuações de Pauls e Darín, esse último já sendo uma figura bastante presente em outras belas obras argentinas, como o já citado "O Filho da Nova", "Kamchatka" e "Clube da Lua", um ótimo ator que ajuda na identificação de seu personagem com o público devido ao seu aspecto físico comum e o bom-humor.
E falando em "Os Suspeitos", o filme latino-americano possui várias semelhanças com o longa de Brian Synger. Além da identificação com o espectador e a agilidade do roteiro (apesar de em ambos haver dilemas morais, porém nunca piegas), os filmes possuem reviravoltas nunca esperadas, mas ao mesmo tempo possíveis e dentro da realidade, pensamos que aquilo poderia acontecer na vida real. Nenhum personagem é de confiança, existe um acontecimento-surpresa atrás de outro e sempre estamos um passo atrás da obra, o que é maravilhoso, pois assim podemos cogitar N possibilidades e assim mesmo sermos surpreendidos.
A partir do começo da investida no golpe milionário, o filme vai ficando ainda mais interessante, obviamente mais personagens nada ortodoxos são envolvidos e os golpistas saem de seu 'micro-ambiente' de golpes simplistas para uma experiência bem mais arriscada. O aspecto cômico é reforçado pela aparente falta de experiência da dupla em se tratando de um roubo maior. Sem cair no lugar-comum de explorar ambientes familiares apenas para 'humanizar' os ladrões, o filme usa de maneira inteligente o aspecto familiar, tendo a família de Marcos até mesmo um papel importante no próprio golpe. Apesar da atuação um tanto afetada de Leticia Brédice, que interpreta a irmã de Marcos, os argumentos para a utilização de sua família são bem convincentes.
O filme chega naturalmente em um patamar mais dramático à medida que se aproxima do final, e, ao contrário da abundante utilização de sangue em filmes americanos do gênero, o sangue aparece apenas uma vez em "Nove Rainhas", de uma forma inteligentíssima, poética. E há a grande reviravolta na última cena, que surpreenderá a maioria. A obra argentina prova a habilidade da América Latina de fazer filmes fora do âmbito político. Para os que gostam de fugir de vez em quando dos maçantes ‘motherfuckers’ americanos, essa é uma ótima opção.
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