As expectativas em torno do lançamento da primeira parte da nova trilogia de Peter Jackson eram grandes. Jackson foi o responsável por uma das adaptações mais bem sucedidas para as telonas de uma obra literária: no total, a trilogia de O Senhor dos Anéis recebeu nada menos que 17 premiações da Academia, sendo que O Retorno do Rei levou, sozinho, 11 estatuetas, igualando o recorde de Ben-Hur e Titanic. O Hobbit – Uma Jornada Inesperada, um prequel para a grande saga de J R R Tolkien, não poderia decepcionar. E não o fez.
Estamos de volta à Terra-Média. Sessentas anos antes dos acontecimentos que levaram Frodo e a Sociedade do Anel à jornada para a destruição do Anel do Poder, uma grande aventura bate à porta do jovem Bilbo Bolseiro (Martin Freeman), residente do Bolsão, no Condado, lar dos hobbits. Em oposição à vidinha pacata desses pequenos seres que adoram festas e comida, o mago Gandalf (Ian McKellen) traz 13 anões ao Condado para se juntarem ao hobbit na missão de resgatar um grande tesouro perdido, em posse do terrível dragão Smaug. Não só o tesouro dos anões, mas o próprio reino desses seres, Erebor, foi tomado pela temível criatura, que agora o habita sozinho.
Muito se tem falado sobre a decisão de Jackson de dividir uma obra como O Hobbit, de pouco mais de 300 páginas, em três partes, sendo que apenas a primeira delas tem duração de quase três horas. Motivos financeiros à parte, o diretor aproveita o tempo de sobra que possui para adaptar a obra nos seus mínimos detalhes, levando a quem assiste a adentrar (mais uma vez) com muita calma o riquíssimo universo de Tolkien. Peter Jackson não deixa quase nada de fora, mas não o faz como um mero exercício de colagem do livro, longe disso. Os espectadores que leram e viram a saga de O Senhor dos Anéis conhecem a meticulosidade do diretor, que respeita e se atém a obra sem se tornar submisso a ela, tornando-a bastante fluída. Os universos de Tolkien e Jackson são diferentes e iguais ao mesmo tempo, eles se mesclam de uma maneira raramente já vista no cinema fantástico.
Para provar o que eu estou falando, basta apenas prestar atenção no cuidado com que o diretor tem em recriar um Condado idílico e pastoral, em oposição a uma Valfenda (lar dos elfos) belíssima, imponente e ao mesmo tempo convidativa (quem não gostaria de morar lá?), que contrastam com as asquerosas cavernas dos trolls e com os lares dos orcs e trasgos. As batalhas entre o Bem e Mal continuam de tirar o fôlego, e mesmo alguns vícios do diretor, como deixar a solução do conflito para o último segundo (apesar desse aspecto deus ex machina ser algo que vem parcialmente da própria obra literária), não desvalorizam o impacto e a urgência das batalhas, fazendo da primeira parte de O Hobbit uma genuína película de aventura, daquelas bem clássicas do gênero, porém contando com uma tecnologia de última geração para os efeitos especiais.
Hoje em dia, é raro ver um diretor que não faz dos efeitos especiais a marca principal de seu filme. O que geralmente vemos é uma desculpa de enredo ser transformada em um campo de exibição dos efeitos mais impressionantes lançados no mercado. Jackson vai contra a maré e valoriza, antes de tudo, a história que está contando. Os atores sob o seu comando tem espaço para ótimas performances. Martin Freeman faz de seu Bilbo Bolseiro um personagem que vai se revelando aos poucos um hobbit destemido e companheiro, acompanhado de um carisma irresistível, e Ian McKellen nos entrega mais uma vez um Gandalf impecável. Os inúmeros novos personagens, a maioria deles anões, são interpretados por atores que creditam bastante comicidade e simpatia a esses seres meio rabugentos, meio solitários. O destaque vai, obviamente, para Richard Armitage, que na pele de Thorin, Escuro de Carvalho, nos mostra através de suas expressões e fala austera o quanto de sofrimento e raiva ele guarda em si. Com participações relativamente menores, Cate Blanchett brilha incrivelmente como Galadriel e Elijah Wood, Hugo Weaving e Christopher Lee voltam aos papéis de Frodo, Elrond e Saruman, respectivamente, com bastante competência, aproveitando ao máximo o pouco tempo na tela.
O desempenho de Andy Serkins como Gollum merece um parágrafo à parte. O duelo psicológico entre ele e Freeman é a melhor sequência do filme e muito provavelmente uma das melhores já dirigidas por Pete Jackson dentro do universo da Terra-Média. Na literatura de Tolkien, a passagem em que Bilbo acha o Anel e deixa o dono do precioso enlouquecido já era uma das mais clássicas, e vê-la na telona com tamanha grandiosidade e eloquência imagética é para deixar qualquer cinéfilo de queixo caído. O Gollum computadorizado consegue ser ainda mais real e humano do que na trilogia anterior, com nuances de emoções mais detalhadas, seja para o lado mais ‘cômico’ ou mais trágico da criatura. É impossível esquecer os olhos alucinados dessa vítima do Anel.
Para finalizar, não dá para deixar registrado pelo menos algumas palavras sobre a maravilhosa trilha do mestre Howard Shore, colaborador de longa data de Peter Jackson. Shore segue a linha musical épica da Saga do Anel (sabiamente retomando algumas faixas mais famosas), uma trilha emocionante e energética que abarca com muita destreza cada parte da obra. Desde corais gregorianos até os cantos melodiosos e líricos dos personagens, o compositor confere uma riqueza ainda maior à película, criando uma verdadeira sinfonia nas telas.
O mais novo filme de Peter Jackson é isso: rico, eloquente, emocionante e belo. Que venha a segunda parte!
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