A História Oficial, brilhante exemplar de filme argentino dirigido e roteirizado por Luis Puenzo, conta um período delicado na vida de Alicia (Norma Aleandro), uma professora de história que passa a viver um grande dilema em sua vida: sua filha adotada de cinco anos, Gaby, pode ser filha biológica de um casal torturado até a morte durante o período de ditadura militar no país, entre 1966 e 1983. Alicia não tem a mínima idéia de quem pode ser esse casal, ainda pairam dúvidas quanto a certeza de sua morte, e o marido da professora, Roberto (Héctor Alterio), esconde fatos obscuros ocorridos no dia em que a menina foi buscada por ele no hospital.
Alicia preza pela disciplina nas aulas que ministra, apesar de pesarosamente precisar se impor acima da balbúrdia dos alunos devido a euforia causada pelos anos pós-regime, quando idéias libertárias pregadas por figuras históricas voltam a tona nas mentes dos jovens duvidosamente revolucionários. Puenzo é felizardo em usar essas aulas para transportar o espírito de transição do país, valorizando politicamente as passagens ocorridas na escola, não sendo em nenhum momento destoantes do filme.
Alicia não parece se ater muito aos problemas da nação dentro da sofrível redoma burguesa em que vive. Nesse período, familiares protestavam nas ruas em busca de informações de parentes que foram presos e torturados pelo governo (muitas vezes até a morte, como o casal supracitado), acusados de subversão contra o regime. Apenas quando a velha amiga, Ana (Chunchuna Villafañe), volta do exílio e relata os terríveis acontecimentos sofridos por ela nas mãos dos torturadores, Alicia percebe em que está envolvida. A partir daí, ela parte em uma busca obsessiva pela origem de sua filha, apesar de saber das possíveis conseqüências que sua empreitada pode acarretar. A busca da mulher é uma tentativa de consertar algo que lhe passou despercebida ante a cega paixão de ter uma criança por meios não convencionais, já que ela não pode engravidar. O roteiro também é felizardo no que diz respeito a Roberto, um homem de caráter dúbio mas que tem a simpatia do espectador, mesmo que certas atitudes do patriarca serem obviamente escusas (o que não é de se espantar dentro daquele contexto, onde o julgamento torna-se difícil).
O filme não faz uso de flashbacks ou de imagens sensacionalistas para ditar o apropriado tom pesado ao lidar com um assunto tão forte. Praticamente todas as sensações promovidas para deixar o espectador atento do sério tema abordado vêm dos próprios personagens, embaladas por ótimos diálogos e magistrais atuações. Todas as perfomances são de cair o queixo, mas o maior destaque vai para duas em particular: Villafañe, em um sucinto relato, concede mais que satisfatoriamente as consequências psicológicas das vilanias políticas dentro dos porões que muitos preferem não tomar consciência. A surpreendente transição de gargalhadas entre as amigas para o choro perante o horror das lembranças é perfeitamente conduzida, com total naturalidade. Outro grandioso exemplo é a conversa num restaurante entre Sara (Chela Ruíz), possível avó de Gaby, e Alicia. À medida que Sara mostra as fotos e narra com profunda tristeza a história de seu filho e nora, somos integrados na mesma medida à atmosfera seca da época, fielmente apresentada na película. Não espere piadas descontraídas e romances como forma de abrandar a situação. Até mesmo os momentos 'cômicos' são regrados de nevralgia.
A História Oficial é uma das melhores obras do cinema argentino após o renascimento da arte nesse país, depois de um período de censuras e de cinema descompromissado sob o governo peronista. Obrigatório.
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