“Entre os Muros da Escola” é um filme que aborda um tema bastante pertinente ao dias atuais: a Educação Escolar. A obra dirigida por Laurent Cantet mostra como essa questão é conduzida em uma escola francesa que conta com alunos de diversas culturas. Focado nas aulas de François, um professor de Francês, o espectador presencia as relações aluno-aluno e aluno-professor, relações essas muitas vezes nada agradáveis.
Como um professor pode lidar com adolescentes tão diferentes? Como lidar com a falta de interesse de alguns (ou de muitos)? O professor precisa estar ciente da situação pessoal do aluno e deve interferir em prol de uma busca por melhores resultados escolares? E como interferir? Como saber do que o aluno gosta e como fazer para deixá-lo interessado? Ele precisa tratá-los como se fossem todos iguais, tapando os olhos para as particularidades? Ou dar atenção às suas individualidades? A punição é uma maneira eficiente para educar? Se for, como fazê-la? Todas essas perguntas complexas passam por nossas mentes durante a projeção, e cada vez que avançamos no filme, as perguntas parecem não ter respostas.
Por se tratar de um ambiente onde há um choque de várias culturas, a questão se torna muito mais complexa. É claro que mesmo se todos os alunos fossem franceses ou americanos, os mesmos problemas poderiam vir à tona e com elas as mesmas perguntas. Mas a película vai ainda mais longe ao abordar esse choque cultural, tornando a vida do professor ainda mais difícil. O professor é muito mais do que apenas um profissional de uma área específica, ele precisa de um jogo de cintura enorme para (tentar) lidar com os problemas pessoais dos estudantes, às vezes tornando-se às pressas uma espécie de psicólogo leigo. A Escola é um ambiente onde pressupostamente todos precisam ser iguais, todos precisam aprender as mesmas coisas, na mesma hora, enfim, todos são obrigados a ter os mesmos interesses, mas na prática, é óbvio que essa teoria não se aplica, e assim o conflito de interesses se estabelece.
O professor de francês François interpreta a si próprio (e o faz muito bem, diga-se de passagem), o filme é baseado em seu livro autobiográfico; "Entre os Muros" foge dos padrões convencionais por várias razões, além da primeira citada, ele é todo filmado com uma câmera na mão, nervosa, com cortes rápidos mas sempre inteligentes, ora mostrando os conflitos vividos dentro da sala de aula, ora mostrando o lado dos professores e suas frustrações, como um semi-documentário. Todos os estudantes também são amadores (e com perfomances impecáveis), muitos usam seus verdadeiros nomes, não há nenhum glamour hollywoodiano, não há os alunos 'bonzinhos' e os 'atentados', esses estereótipos iriam afetar drasticamente a realidade crua que a obra se propõe a relatar. Os alunos têm seus altos e baixos, às vezes nos surpreendemos com suas atitudes justamente por essa feliz falta de estereótipos, o espectador não pode prever com exatidão o que estar por vir da mente desses adolescentes. François também está longe de ser um professor "perfeito", ele é um profissional, mas também é um ser humano, tão complexo quanto seus estudantes. Ele tenta ao máximo ser mais que um simples professor de francês, François tenta ir mais à fundo, tentando entender a vida de cada um, cada personalidade, mas suas tentativas são constantemente frustradas. Em uma situação delicada, quando ele perde o controle, o choque do espectador é ainda maior, por um lado reprovamos sua atitude, mas por outro não podemos recriminá-lo de forma alguma. Numa outra cena desesperadora, presenciamos um professor totalmente fora de controle devido à situação na classe, explodindo com os outros colegas de trabalho, realidade crua e nua.
Junto com a questão natural da diferença de interesses, há também as punições exercidas pelos educadores. Essas punições são realmente eficazes? Como mostrado claramente no filme, a expulsão, por exemplo, é apenas uma maneira que a Escola encontra de se livrar do “aluno-problema”, ela está interessada apenas no conteúdo teórico e nas normas a serem seguidas. Se então o aluno, por alguma razão, não segue esses padrões, ele é descartado, não há nenhum trabalho de conscientização mais a fundo, relacionado, por exemplo, à vida familiar do aluno, seus sentimentos, interesses, medos, etc. (como François tenta realizar, ainda que de uma forma capenga), não há nenhum interesse no “auto-retrato” do estudante (uma questão interessantíssima abordada: - Não quero saber de suas rotinas, quero saber sobre seus sentimentos, diz François). O filme é todo centrado dentro da escola, fazendo com que o espectador tenha a mesma perspectiva do professor, nós não estamos claramente cientes dos problemas dos alunos, assim como ele, e acabamos refletindo sobre como reagiríamos em seu lugar ao lidar com tanta diversidade.
No ambiente escolar todos são tratados como máquinas capazes de absorverem os mesmos assuntos de igual maneira. Entretanto, como a Escola pode ser capaz de lidar com cada aluno e suas particularidades? Qual é, afinal, a prioridade desse ambiente? É possível que a Escola consiga, com sucesso, lidar ao mesmo tempo com assuntos teóricos e ainda ajudar os alunos individualmente no sentido de estar ciente do modo de aprendizagem de cada um? É uma questão realmente paradoxal, sabendo-se que a prioridade da Educação Escolar é ensinar matemática, química, inglês, geografia, e não se envolver em assuntos particulares (que por sua vez podem afetar de uma maneira drástica a aprendizagem da teoria).
A Escola, por fim, tenta abster-se desses problemas maiores, da complexidade que é o ser humano, e parte para uma cega generalização, negligenciando as características de cada um e assim não se envolvendo em assuntos maiores e mais ‘obscuros’, por assim dizer. Ela segue um determinado padrão de ensino e os problemas pessoais são jogados nas costas do professor, que lida com eles (quando lida) até o seu limite. Esse profissional não foi devidamente preparado para as questões psicológicas de seus alunos, mas seria possível se especializar numa área e ainda ser capacitado para lidar com todo tipo de problema pessoal? E quanto ao ambiente escolar, é possível que ele consiga lidar com todos esses problemas sem desviar do foco imposto por uma sociedade que visa cada vez à robotização do ser humano (leia-se: mercado de trabalho)?
“Entre os Muros da Escola” é uma grande obra com várias perguntas, mas nenhuma resposta, mas é por essa razão que o filme se sai bem sucedido, pois em nenhum momento ele se propõe em resolver qualquer problema (essa idéia é clara ao final da projeção), afinal, aprendemos mais com questionamentos do que com soluções, que muitas vezes podem ser equivocadas.
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