Nos últimos anos, filmes que tem como temática dramas familiares tem ganhado bastante espaço nas premiações mais importantes do Cinema. Grandes pérolas como Pequena Miss Sunshine, Reencontrando a Felicidade e Namorados Para Sempre são alguns exemplos que entraram na lista dos concorrentes ao Oscar. Geralmente essas obras acabam ficando mesmo somente na lista dos indicados, eventualmente levando algum prêmio importante (Pequena Miss Sunshine recebeu o Oscar de Melhor Roteiro Original em 2007).
O caso de Os Descendentes é parecido. O filme de Alexander Payne (do ótimo Sideways - Entre Umas e Outras) concorre esse ano aos prêmios de Melhor Filme, Melhor Direção, Melhor Ator para George Clooney e Melhor Roteiro Adaptado, só para citar as indicações consideradas mais relevantes. Dificilmente irá levar alguma dessas premiações para casa, já que o Oscar, de uns anos para cá, vem se mostrando bastante incoerente na hora de entregar as estatuetas mais importantes (Onde Os Fracos Não Tem Vez, de 2008, foi o último filme merecedor dos melhores prêmios).
A trama, com roteiro assinado por Payne (adaptado de um romance), gira em torno do milionário Matt King (Clooney), que passa a ter que cuidar de suas duas filhas, Scottie (Amara Miller) e Alexandra (Shailene Woodley), após o dramático acidente de sua mulher, Elizabeth (Patricia Hastie), que a deixou em coma permanente. Matt se vê na delicada e trágica situação de revelar às filhas que a mãe morrerá em pouco tempo (já que as máquinas que a mantém viva serão desligadas), de lidar com a descoberta de traição da esposa e ainda de ter que se decidir se irá permitir a venda das gigantescas propriedades paradisíacas da família no Havaí, que pertence a ele e a seus primos desde o século XIX.
Os Descendentes é, acima de tudo, uma história de superação e conciliação dentro do âmbito familiar. Matt sempre foi um pai ausente, que nunca olhou de perto os problemas das filhas e nem de seu próprio casamento. Alexandra, no início da película, se apresenta como uma adolescente irascível e cheia de rancor pelos pais, e não poupa ofensas a mãe pelos seus erros e nem ao pai por sua negligência. Scottie é uma criança em fase delicada de transição, que fala palavrão e mostra o dedo sem realmente ter a intenção de se rebelar contra algo. Matt terá que lidar com todas essas questões enquanto procura, junto com as filhas, o amante da esposa para tirar satisfação.
O roteiro surpreende em não esquematizar saídas fáceis para os problemas da família King. Mesmo em coma, a matriarca da família não é poupada por sentimentalismos baratos, que poderia levar o filme a ser mais um a lidar com questões familiares de uma forma superficial. Matt e Alexandra guardam feridas profundas em relação à Elizabeth, e não é o seu estado vegetativo que irá apaziguar essas feridas. Pelo contrário, apesar de todo o apoio e amor recebido pelo marido e pelas filhas, a mãe em coma serve muito mais como um conciliador entre Matt e as filhas do que como uma reaproximação açucarada da família inteira. E convenhamos, é preciso certa coragem para se manter firme dentro desse desenvolvimento convincente e natural em tempos do politicamente correto.
É claro que a obra não é perfeita. Mesmo com um roteiro muito bem estruturado, que foge de convenções essenciais (Matt vai buscar o amante para que ele possa se despedir da esposa!), e boas performances (destaque óbvio para Woodley e Clooney, que conseguem equilibrar muito bem as nuances de seus personagens), Os Descendentes derrapa em alguns momentos por querer transmitir uma empatia em demasia. Como se a força motriz da história, a direção equilibrada de Payne e as atuações não fossem o suficiente para sustentar o filme, certos vícios de alívio 'cômico' estão na obra somente para incomodar e tentar dar em excesso uma leveza que ela não possui e não deveria possuir. Essa característica do 'riso forçado' parece ser a maior praga de muitos enredos focados em relações familiares, que quase nunca lidam com a dramaticidade de uma forma mais uniforme e objetiva. Não que o humor não seja importante e que ele não esteja inserido em certos momentos do filme de uma forma bem apropriada (até porque a proposta de Payne não é sobrecarregar o espectador com esse drama familiar), mas o que fica é a impressão de que um podamento mais cuidadoso poderia ter sido feito nesse aspecto (como em Sideways, por exemplo). Felizmente, esses vícios não chegam a prejudicar o resultado final, sendo esquecidos ao longo do belo panorama do crescimento emocional dos personagens.
O filme ainda conta com tomadas lindas das ilhas do Havaí, que não estão lá de graça, pois são essenciais para uma integração inteligente entre a família e o espaço físico - espaço físico esse que justifica não só o título da película, mas que também serve ora como dificultador ora como facilitador da jornada de uma família que precisa conviver com o novo e reformar o velho. Afinal, para Matt, privar as filhas da sucessão das terras não é apenas uma questão financeira, sendo um aspecto que pode ser crucial para a reaproximação da família. Pertencer à família King é quase que literalmente padecer no paraíso, sem maniqueísmos ou respostas batidas. Outra grande pérola.
Comentários (0)
Faça login para comentar.
Responder Comentário