Juntamente com o gênero Musical, o Faroeste é talvez o gênero que mais caracteriza o cinema americano, que começou com o curta "O Grande Roubo do Trem" e se manteve forte até os anos 60, com algumas produção de sucesso nos anos 90. A América produziu os melhores exemplares de filmes 'bang-bang' (como ficaram conhecidos no Brasil), como "O Tesouro de Sierra Madre", "No Tempo das Diligências", "Matar ou Morrer" e é claro, "Os Brutos também Amam", seguida pela Itália e a trilogia 'espaguette' de Sérgio Leone.
O filme dirigido por George Stevens nos conta sobre Shane (Alan Ladd), um cowboy errante, que cavalga solitário pelo vale Wyoming e encontra a família Starret. O patriarca, Joe Starret (Van Helfin), é um colono que possui uma pequena criação de animais e tem como grande sonho ser dono de suas terras. Ele encontra total apoio em sua mulher, Marian Starret (Jean Arthur), e em seu filho, o pequeno Joey Starret (Brandon De Wilde). Após um momento de desconfiança por parte da família, Shane é logo chamado para trabalhar com os Starrets em troca de um teto, a partir daí ele vai despertar na família sentimentos diversos. A direção de Stevens é precisa, ele desenvolve a obra lentamente, mostrando a personalidade de cada personagem de uma forma bem bacana. Não podíamos esperar menos do realizador de obras como "Um Lugar ao Sol" e "Assim Caminha a Humanidade", seu cuidado com os personagens é uma de suas características mais notáveis.
Shane e a família Starret não terão paz na pequena fazenda, isso devido ao conflito com os grandes criadores de gado, que pensam ter o direito sobre todas as terras sob a justificava de terem expulsado os índios Cheyennes e começado a colonizar primeiro. O líder do bando é Rufus Ryker (Emile Meyer), que depois da recusa de Joe a se juntar a ele, contrata um pistoleiro mal-encarado para resolver o assunto, as suas intenções tem uma boa justificativa, o que torna o vilão menos arbitrário e até mais sensato se comparado à outros vilões do faroeste.
Sempre quando vejo um filme de faroeste tenho a impressão que as pessoas e o lugar que compõe o gênero estão em um mundo à parte. A terra-sem-lei e o espírito de camaradagem entre os colonos são fortes fatores que me levam a essa impressão. Em "Os Brutos", a família de Joe é cercada de amigos, todos vivendo a mesma situação de perigo iminente vindo dos grandes fazendeiros. Entretanto, muitos começam a se acorvadar por temerem a segurança da família e cogitam a possibilidade de deixar as terras e tentar a sorte em outro lugar, o perigo de morte fala mais alto que o amor pela terra, mas não são todos que pensam em desistir, como a família Starret e o durão mas simpático Frank "Paredão" Torrey (Elisha Cook Jr.), que acaba sendo assassinado friamente em uma emboscada tramada por Ryker.
Na família de Joe, Shane desperta em sua mulher um desejo, que não fica muito claro para o espectador (talvez nem para ela mesma), apenas sabemos que algo se aflorou em Marian, talvez um desejo sexual, talvez um desejo de fugir com Shane para outro lugar, ou talvez apenas uma curiosidade que vem junto com o forasteiro para aquelas terras remotas, entretanto Marian em nenhum momento vacila em sua conduta honesta e fiel para com o marido e o filho. Já o pequeno Joey é dominado pela habilidade de Shane com a pistola, nos olhos do garoto vemos a sua grande admiração pelo cowboy (e possivelmente a vontade de largar tudo e ir com Shane em busca de aventuras), às vezes suas repetições ao chamar "Shane" é irritante, mas ele conquista-nos por causa de sua pureza, e ainda mais na derradeira cena final, quando aos gritos, ele chama por Shane para voltar a viver com sua família.
Jean Arthur já não possui mais a jovialidade de seus dias ao lado de James Stewart nos filmes de Frank Capra, ela ainda é bela, mas seu rosto já sofre com as marcas do tempo, e a maquiagem o deixa ainda mais sofrido, entretanto perfeito para o personagem de uma mulher trabalhadora como Marian. Ao contrário dela, Alan Ladd é ainda bastante jovem e viril, diferente também de Van Helfin, que mesmo sendo apenas três anos mais velho que Ladd, nos é mostrado como um homem já calejado pelo trabalho árduo. A chegada de Shane, no entanto, serve para elevar o espírito do patriarca, que trabalha com bastante afinco em sua terra, possivelmente querendo mostrar ao cowboy todo o seu amor por suas posses.
As locações do filme de Stevens são maravilhosas, sempre mostrando espaços abertos, as planícies e montanhas, dando ainda mais a sensação de um lugar remoto, longe de tudo (nada muito diferente de qualquer outro faroeste, a não pelo fato deste mostrar mais espaços abertos ao longe). Os cenários construídos são apenas a fazenda de Joey, as casas de alguns amigos, a loja/bar onde ocorrem as lutas, na maioria das vezes na base do punho (quase não há tiros, essa sim é uma característica atípica) e o cemitério. Apesar do aspecto viril de Shane, não é a todo o momento que ele transmite confiança, pelo contrário, sabemos que ele esconde um passado do qual sente vergonha, e que possui vários receios com relação ao futuro, é um cowboy diferente dos que estamos acostumados a ver em um faroeste, ele possui um passado e um futuro, diferente dos típicos heróis do western, como Clint Eastwood nas obras de Leone, que parece nascer e morrer juntamente com o começo e o término do filme. Em 1956, Nicholas Ray produziria um faroeste ainda mais atípico, "Johnny Guitar", mostrando uma mulher feminista e durona (Joan Crawford) como protagonista e homens como seus paus-mandado, que receberia críticas ferrenhas e só receberia reconhecimento bastante tempo depois.
A resolução dos problemas dos colonos se volta para as pistolas (o que não poderia ser diferente), a previsibilidade do final torna o último ato bastante clichê, a não ser pela já citada emocionante cena com Joey e Shane, que dá o toque especial a obra, um toque mais humano. É claro que a morte do vilão não acaba com os problemas dos pequenos criadores de animais, mas o papel de Shane é cumprido, e o forasteiro errante segue rumo a um futuro incerto, nesse universo americano longínquo e mágico, que perdeu a grande força lá atrás nos anos 60, juntamente com o mito do velho-oeste.
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