A Alemanha foi um dos países que mais sofreu com as conseqüências da Segunda Guerra Mundial. O território alemão foi dividido em duas zonas, de um lado, a zona ocidental controlada pelos Estados Unidos, Reino Unido e França, formando assim a República Federal da Alemanha, do outro, a zona sob o controle da URSS, denominada da República Democrática da Alemanha, ou apenas, Alemanha Ocidental e Oriental, respectivamente.
O lado ocidental, obviamente capitalista, se beneficiou com o crescimento econômico, se tornando membro fundador da Comunidade Econômica Européia. Já a parte oriental, ao contrário de exercer a democracia, foi dirigida por membros comunistas do Partido Socialista da Alemanha, que exerciam forte controle sobre a população, que por sua vez recebeu recursos escassos do governo para suprir as necessidades básicas, apesar de ainda ter havido um considerável crescimento na economia. Muitos alemães do lado oriental desejavam ir para o outro lado, seduzidos pela liberdade política, crescimento econômico, ou simplesmente para ficar junto de seus familiares. Para barrar a fuga desses alemães, foi construído, em 1961, o Muro de Berlim, o maior símbolo da Guerra Fria e, provavelmente, um dos maiores do século passado.
É nesse contexto que "Adeus, Lênin!" se desenvolve. Dirigido e escrito por Wolfgang Becker, a obra alemã narra a história de Alex (Daniel Brühl), um garoto que vive com sua mãe, Christiane (Katrin Saß) e irmã, Ariane (Maria Simon), no lado socialista do país. Christiane, que foi abandonada pelo marido quando seus filhos ainda eram pequenos, é uma devota fervorosa da política da Alemanha Oriental, contribuindo do jeito que pode com o Partido Socialista como professora infantil, pregando idéias comunistas nas crianças. Depois de ver o filho em numa passeata anticomunista, muito comum no ápice da insatisfação popular, a professora sofre um ataque cardíaco e entra em coma. Ela acorda oito meses depois, com o muro já destruído e o país reunificado. O médico deixa claro aos filhos a condição da mãe: ela não poderá sofrer nenhuma emoção forte ou uma grande frustração, qualquer hesitação maior poderá ser fatal. Partindo do fato da grande admiração de Christiane pelo lado socialista que virou história e que ela considerava indelével, Alex tem uma idéia luminosa, que é a de criar um mundo à parte para sua mãe, fazendo de tudo para que ela não descubra toda a verdade.
Antes de Christiane voltar para casa, Alex e Lara reorganizam toda a casa, que foi quase totalmente modificada depois da queda do muro. Todos os objetos e roupas relacionados ao modo de vida capitalista são retirados, dando lugar aos velhos móveis e objetos, como um quadro de Che Guevara e um livro relacionado a Mikhail Gorbachev, último Secretário-Geral do Comité Central do Partido Comunista da União Soviética. Alex também remexe no lixo para achar embalagens de produtos agora extintos, e assim os cola nos vidros dos produtos industrializados que agora enchem as prateleiras dos supermercados. Ele ainda produz alguns vídeos de falsos noticiários comunistas com seu amigo Denis (Florian Lukas), um aspirante a cineasta, e paga alguns ex-alunos da mãe para cantar músicas já esquecidas.
É interessante notar como foram grandes as mudanças ocorridas na Alemanha em tão pouco tempo, dando a impressão que Christiane dormiu por oito anos ao invés de apenas oito meses. Ocorreu no país, agora totalmente capitalista, um acelerado processo de mudanças econômicas e até mesmo culturais, a Alemanha assim começava a recuperar o total poder sobre seu território. Já na família de Alex, Ariane, frustrada ao ter que voltar a usar roupas que usava antes da queda do muro, comenta com o irmão: "Veja só que porcaria usávamos!" , considerando que usamos essa frase quando vemos um álbum de fotografia de dez anos atrás, o comentário de Ariane comprova o acontecimento dessas grandes mudanças de um dia para o outro. Falando ainda da irmã de Alex, ela, que antes era uma universitária, agora trabalha num fast-food, e o irmão passa boa parte do tempo cuidando para que sua mãe continue vivendo uma ilusão.
Num primeiro momento, pode parecer cruel da parte de Alex enganá-la dessa forma, podemos considerar até mesmo uma atitude exagerada. Entretanto, quando vemos a reação de Christiane ao ver um anúncio da Coca-Cola pregado em um dos prédios visíveis pela sua janela, acreditamos no ato que ela pode realmente morrer se souber do ocorrido. Quando vê a propaganda, Katrin Saß transmite através de sua personagem uma reação incrível, passando de um estado calmo para um mudo desespero através de seu olhar confuso e assustado, a atuação da atriz é irrepreensível, e é nesse momento que ficamos convencidos que Alex está agindo corretamente.
Ariane é uma personagem também interessante, que ao mesmo tempo em que se frustra ao ter que voltar ao passado (antes disso chega até a cogitar a idéia de desligar os aparelhos da mãe), depois de um tempo ela se mostra responsável e carinhosa, ao seu jeito. É um grande acerto de Becker criar um personagem no mínimo complexo, sem maniqueísmo, vítima das transformações do mundo. E o sangramento de seu nariz após um momento altamente estressante é um momento que simboliza toda essa falta de estrutura perante mudanças tão drásticas.
"Adeus, Lênin!" é recheado de momentos cômicos, como o desespero de Alex em achar comidas e bebidas que faziam parte do mundo de sua mãe, além da já citada produção de telejornais capengas produzidos pelos amigos, que sempre procuram defender o lado socialista, criando uma ilusão, a partir de edições e montagens, de que a Alemanha Oriental estaria 'acolhendo' os 'fugitivos' do lado ocidental, o falso telejornal até noticia que a Coca-Cola foi uma criação socialista, acalmando assim os nervos da professora. Os noticiários antigos são distorcidos de uma forma brilhante, endeusando assim o socialismo.
Mas o filme não é apenas sobre o esforço de Alex em manter sua mãe viva, há também um romance entre ele e Lara (Chulpan Khamatova), uma das enfermeiras do hospital onde Christiane ficou internada, e a questão do abandono de seu marido, Alex' Vater (Burghart Klaußner), também é explorada, ainda que pouco e o único acréscimo a trama está no fato de que ao abandonar a família, Alex fez crescer o desejo de Christiane de se apoiar em algo para superar a perda, nesse caso, na causa socialista.
É importante ressaltar que Becker não defende nenhum dos dois lados, pelo contrário, a sua imparcialidade é um dos pontos fortes da obra. Ele deixa o enredo fluir sem tomar partido, o que poderia comprometer seu trabalho. Porém, o diretor cria algumas situações para deixar o julgamento a cargo do espectador, como a mudança de Ariane de universitária para uma empregada de uma grande empresa capitalista (seria essa mudança a representação de um sonho agora distante num mundo capitalista e muito mais concorrido?), e quando Alex está mexendo no lixo, seu vizinho, que pensa que ele está à procura de comida, diz que a situação não é inesperada devido aos tempos em que estão vivendo (pós-socialista). Por outro lado, ao mostrar a insatisfação de Ariane ao ter que voltar a viver como antes, notamos claramente o desejo de viver num mundo capitalista, a jovem pode estar representando o desejo de uma boa parte da população. E a estátua de Lênin sendo retirada e levada suspensa no ar é o momento que simboliza o término do socialismo naquele país, e talvez o começo de uma vida melhor.
"Adeus, Lênin!" é uma obra alemã recomendadíssima, um filme ágil e divertido, com uma mistura mais que competente de fatos históricos com humor de alto nível. Apesar de conter alguns aspectos mal explorados, o filme se apóia na premissa muito bem construída e atinge seu objetivo, que é o de fazer rir e refletir.
Comentários (0)
Faça login para comentar.
Responder Comentário