Haneke é um diretor peculiar, tanto nas estórias que ele conta quanto no modo como ele as narra. Sempre utilizando takes longos que muitas vezes mostram cenas importantes em segundo plano, trilha sonora quase ausente, fotografia fria e câmera distante para mostrar o que há de pior na natureza humana. Não é rara a abordagem da violência, da intolerância e de suas ramificações, bem como da origem de tais sentimentos em certos personagens que, por sua vez, os exprimem em atos repugnantes e desumanos, como acontece em O Vídeo de Benny (Benny’s Video, 1992).
Benny seria um típico garoto da classe média, calmo e tranquilo, não fosse a maneira como ele nos é apresentado e o que se sucede depois de um tempo na película. A primeira cena do filme mostra um vídeo caseiro do abatimento de um porco com uma arma de pressão, primeiro em velocidade normal, depois em slow motion, ao qual o garoto assiste e cujas imagens, ao que parece, são as que ele mais aprecia. A partir daí, somos apresentados a Benny, de forma mais profunda e a seus pais, cuja educação que dão ao menino parece ser a causa do que virá a seguir.
Mesmo com a estranheza da primeira cena, Benny não apresenta, até então, qualquer comportamento violento. Sua diversão está intrinsecamente ligada à imagem, como é o caso do tal vídeo caseiro já citado. Seus equipamentos de vídeo estão sempre ligados ou em uso: a câmera que lhe mostra a vista da janela de seu quarto, outra câmera que filma o seu quarto, a televisão, os aparelhos de videocassete, as fitas VHS de diversos filmes alugados por ele.
Em uma de suas idas à locadora de vídeos, ele chama para seu apartamento a menina que sempre viu assistir aos filmes que o estabelecimento exibia e que sempre lhe chamou a atenção. A garota se vislumbra com todos os equipamentos que Benny possui, sendo, claramente, de classe social mais baixa – mesmo sua aparência simboliza isso. Durante o encontro, o garoto mostra a ela o vídeo do abatimento do porco, e em seguida a arma de pressão, dada a ele, utilizada para ocasionar a morte do animal.
O que acontece a seguir talvez seja uma das cenas mais perturbadoras já feitas: o menino dispara a arma, fazendo com que a menina caia no chão. Gritando e se debatendo, ela tenta fugir, mas depois recebe o segundo e o terceiro tiro que acabam com sua agonia. Nós, espectadores, não vemos tudo explicitamente, mas através das lentes da câmera de Benny, o que acentua o distanciamento e a frieza, aspectos que se fazem presentes nos filmes de Haneke. Desse modo, assim como em Caché (idem, 2005), o diretor discute a imagem e faz dela mote para mostrar o que há de pior na natureza humana, mas se o filme de 2005 faz disso um jogo em que tudo está escondido e encoberto, no de 1992, apesar do distanciamento, vemos tudo o que acontece – somos espectadores tal como Haneke.
Após o assassinato, o desconforto psicológico causado em quem assiste ao filme não cessa. As cenas que se seguem mostram a total indiferença de Benny com os seus atos, de tal modo que, depois de limpar o sangue da menina e esconder seu corpo, ele continua sua rotina normalmente – procura algo para comer, faz as tarefas da escola e sai para se divertir com seus amigos. Novamente, em Caché, esta indiferença do protagonista também existe, sendo, neste caso, relacionada a questões sociais, como a xenofobia, e psicológicas, como o medo e a insegurança.
Já, em O Vídeo de Benny, a questão social abordada através da impassibilidade do garoto (e também a causa de seus atos) é a maneira como a mídia mostra a violência, tanto a do dia-a-dia quanto a dos filmes, séries e outros programas. Benny matou porque, simplesmente, queria saber como era, isto é, o que ele sentiria sendo aquele que faz a ação, visto que já havia presenciado muitas outras vezes. Assim, ele tem consciência do que fez, mas não se culpa porque teve este seu desejo satisfeito. Além disso, o filme traça uma análise (não tão completa como em A Fita Branca [Das Weisse Band, 2009]) dos caminhos que a educação recebida por uma criança pode levá-la a realizar determinados atos. Por exemplo: a ausência dos pais de Benny em sua vida pode ter sido fator crucial para que o menino assassinasse a menina, como se o ato chamasse a atenção do casal para o filho.
Dessa forma, O Vídeo de Benny não deixa de ser um filme que aborda questões que incomodam de uma forma que também causa incômodo, mas, a sensação que fica, é que foi um preparatório para que Haneke realizasse suas obras mais bem acabadas, escritas e realizadas alguns anos a frente de 1992. Não é a esmo que o diretor revisita diversos assuntos tratados aqui de maneira mais aprofundada anos depois, seja em Caché, Violência Gratuita (Funny Games, 1997), A Fita Branca ou até mesmo em Amor (Amour, 2012), sua mais recente realização.
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