É incrível o quanto o cinema dos nossos vizinhos argentinos tem crescido ultimamente; maior prova disso não é somente O Segredo dos Seus Olhos (El Secreto de Sus Ojos, 2009), exemplar argentino que ganhou o Oscar de melhor filme estrangeiro na festa da academia em 2010, como também as excelentes películas que o pais vêm produzindo, como é o caso deste Medianeras: Buenos Aires da Era do Amor Virtual (Medianeras, 2011) – geralmente os subtítulos nacionais não me agradam, mas neste caso, completa o título com um dos assuntos que o filme aborda e que será discutido mais à frente.
Pois bem, se é incrível o quanto o cinema argentino tem crescido, mas incrível ainda é o absoluto desinteresse e abandono da mídia e dos veículos de informação de massa, como é o caso das redes que controlam o cinema, não só no Brasil, como no mundo. Enquanto o último filme da franquia (saga?) Crepúsculo estreou ocupando 60% de todas as salas no país – como apontado por André Sturm em seu artigo recente “A ocupação das telas de cinema” – Medianeras se foi exibido, pôde fazê-lo em pouquíssimas salas.
Assim, o que foi dito aqui não serviu somente para expressar o meu descontentamento em relação a esse assunto, mas também para introduzir as questões que esta linda produção aborda. Ocupação. Medianeras tem seu início mostrando a ocupação de Buenos Aires por um sem-fim de edifícios – Altos. Baixos. Coloridos. Monocromáticos. Monótonos – relacionando-os às vidas dos personagens, em especial Martin (Javier Drolas) e Mariana (Pilar López de Ayala) que, assim como milhões de outras pessoas – na vida real e não só em Buenos Aires – levam uma vida vazia e solitária, típica das grandes cidades. Culpam-se os prédios e quem os construiu por serem causadores do afastamento das relações interpessoais e gerar, assim, diversos outros problemas.
A partir desse início extremamente inspirado, a produção conta como a vida dos personagens é afetada por esses problemas que interferem em toda e qualquer relação com outro individuo que eles possam ter, preferindo, inclusive, a companhia de um manequim e da tecnologia, como é o caso no filme e questão, e nesta última opção, há, ainda a discussão sobre como os avanços hi-tech têm corroborado para o afastamento das pessoas. Mais do que isso, a história – que, além de retratar a busca por amor, é sobre a procura de uma felicidade legítima e sincera, bem como da identidade – mostra como os protagonistas nunca se encontram, apesar de viverem em edifícios que se localizam numa mesma rua e de serem bastante parecidos.
Por falar em identidade, a busca por ela pode ser vista em uma cena quando Mariana bebe algo em uma xícara onde está grafado seu nome, quando em um momento de crise no seu próprio ser, joga-a para a parede e esta se quebra em vários cacos. A partir desse momento, ela pergunta-se: quem é Mariana? Após essa brilhante metáfora, na cena que se segue, ainda perfeitamente dirigida, ela colhe seus próprios cacos e se reinventa como pessoa.
Medianeras está lotado de metáforas assim e também referências a muitos elementos da cultura e do estilo de vida atual: de McDonald’s a Woody Allen, do livro-brincadeira “Onde Está Wally?” à trilogia Star Wars... enfim, o filme as utiliza de forma própria, estilizada e original. O diretor, Gustavo Toretto, recicla este recurso produzindo cenas sinceras e despretensiosas que deixam o expectador (eu, pelo menos) com a sensação de ter visto um e agradável, é real e sincero, tanto a si mesmo, quanto para quem assiste.
“Brotam no cimento mesmo, crescem onde não deveriam crescer. Com paciência e vontade exemplares erguem-se com dignidade. Sem nenhuma estirpe, selvagens, inclassificáveis para a botânica. Uma estranha beleza cambaleante, absurda, que enfeita os cantos mais cinzentos. Não têm nada e nada as detém. Uma metáfora de vida irrefreável que paradoxalmente me faz ver minha fraqueza." Medianeras, Gustavo Taretto - Sobre os organismos pioneiros.
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