Inside Llewyn Davis - Balada de um Homem Comum
“If it was never new, and it never gets old, then it's a folk song”
Desde que ganharam o prêmio principal do Oscar em 2008 com Onde os Fracos não têm Vez, os irmãos Coen entraram em uma fase estável de sua carreira: Com o divertidíssimo Queime Depois de Ler os cineastas remeteram ao ótimo humor-negro de comédias como Arizona Nunca Mais e O Grande Lebowski. Já no sensacional Um Homem Sério eles se aventuraram em novo território em um filme intimista e contemplativo, e talvez seja porque era diferente de tudo que tinham feito anteriormente que o filme tenha desapontado grande parte de seus fãs. E em Bravura Indômita retornaram ao tom pelo qual receberam a estatueta de melhor filme em uma produção séria, densa e intensa. Por isso, não chega a ser uma surpresa que este novo filme tenha se tornado o menos popular dentro da etapa experimental da carreira dos diretores, afinal Inside Llewyn Davis retoma a estrutura vista em Um Homem Sério, onde os Coen parecem preocupados em estudar a capacidade artítica de seu cinema.
Um dos pontos pelo qual Inside Llewyn Davis - Balada de um Homem Comum vem sido injustamente criticado é o fato de não ter nenhum arco dramático realmente sólido e envolvente, na verdade todo o filme funciona como um estudo de personagem, já que seus noventa minutos de projeção apenas acompanham as dificuldades de um cantor de música folk para sobreviver de sua arte. É claro que aqui ou ali os irmãos Coen apresentam pequenas subtramas que, de certa forma, levam o filme adiante: Acompanhamos a viagem de Llewyn Davis a Chicago em uma tentativa de conseguir um emprego, mas também vemos o protagonista ter que lidar com a morte de seu companheiro e com a gravidez inesperada da mulher de seu amigo (com quem teve um caso). E não seguir uma narrativa exata acaba se tornando um dos grandes méritos do longa, afinal ao abandonarem a estrutura clássica os cineastas por trás do projeto apenas colocam em tela momentos que exploram a personalidade do protagonista.
Inside Llewyn Davis segue a tradição criada pelos melhores filmes dos diretores e se mostra esteticamente admirável: Desde seus primeiros segundos de projeção o longa é fartamente enriquecido pela fantástica fotografia de Bruno Delbonnel que promove uma série de planos de encher os olhos mesmo que, teoricamente, sejam bem convencionais. Porém, o que realmente impressiona na parte técnica de Inside Llewyn Davis, é a forma com os cineastas suprem a necessidade que a fotografia e o design de produção têm de experiência cinematográfica (e isso Ethan Coen e Joel Coen têm de sobra), afinal de outra forma tudo corria o risco de soar artificial e gratuito demais, o que ocorre é exatamente o oposto. Outro grande acerto de Inside Llewyn Davis se dá na excelente trilha sonora que acompanha o clima melancólico da narrativa e que nunca erra o timing (nenhuma canção parece deslocada ou perdida dentro da história). As músicas, aliás, se tornam ainda mais belas ao serem vistas dentro da narrativa: The Death of Queen Jane, Green, Green Rocky Road e até mesmo a espontânea Please Mr. Kennedy são excelentes, mas que se tornam ainda melhores quando encaradas em conjunto.
O fato é que por mais experimental que Inside Llewyn Davis seja, o filme se encaixa perfeitamente nas principais características da carreira de seus diretores, principalmente na construção de personagens complexos e em seu sofrimento habitual: Vivendo constantemente em uma jornada pessoal, o protagonista é obrigado a revezar entre os sofás dos amigos, já que não tem um lugar fixo para dormir (e construir uma vida). Llewyn Davis, aliás, escapa dos padrões dos Coen, uma vez que sua dor não vem do ambiente em que vive, mas sim de sua própria personalidade e suas decisões, e o excelente trabalho realizado por Oscar Isaac é eficiente exatamente por converter um personagem corrompido e falho em uma figura extremamente cativante. Toda essa jornada é brilhantemente ilustrada por uma sequência em particular (que aparece em dois momentos dentro do filme), pela qual os irmãos Coen proporcionam uma belíssima reflexão sobre o que presenciamos (e é claro que o filme tende a crescer em uma revisão).
Contando ainda com a breve mensagem de que é melhor priorizar a qualidade de sua obra independente de seu retorno financeiro (algo que se encaixa muito bem em uma boa parte da filmografia dos Coen), Inside Llewyn Davis se mostra profundo e complexo, mesmo que seja raso e vazio em uma rápida análise de sua superfície dramática. É uma pena, portanto, que este Balada de um Homem Comum tenha sido ignorado, quase que completamente, dentro das maiores premiações deste ano. Com isso, Ethan Coen e Joel Coen provam que é melhor provocar sorrisos sinceros e honestos e momentos repletos de uma felicidade genuína, do que correr atrás de uma boa bilheteria ou um Oscar. E essa é uma lição que muitos cineastas ainda não aprenderam.
Cara, que belo texto. Ainda não assisti o filme (pretendo fazer isso fim de semana), mas o texto ficou excelente e espero que o filme faça jus a ele 😉
Obrigado 😁
Belo texto!