Simone de Beauvoir disse que não se nasce mulher, a mulher se cria pela cultura e pela educação. O homem também. Tudo. As questões de identidade são construções sociais, porque somos seres sociais e nos reconhecemos, também, em função da alteridade, da comparação com o outro. Algumas identidades são de mais fácil emancipação, outras menos, depende de cada um. Uma grande dificuldade neste processo, quando se trata de gênero e sexualidade, se dá quando há uma barreira biológica: o corpo.
Tomboy (Tomboy, França, 2011), segundo filme da diretora francesa Céline Sciamma, trata disso. Laure é uma menina de 10 anos que, ao se mudar para um novo bairro, resolve se passar por um garoto. Ela já tinha beleza andrógena, cabelos curtos e roupas masculinas. Porém, ao que tudo indica, identificar-se como menino (Michael) é uma experiência nova da qual o espectador vai ser cúmplice até o desfecho da obra. Aproveitando a menção à cumplicidade, merece destaque a relação de fraternidade, parceria e proteção mútuas que Laure/Michael estabelece com sua irmã mais nova Jeanne. Ela é um delicado recurso narrativo que mostra o quão natural pode ser a passagem por um processo, se o mais importante for o amor pelo sujeito que passa por ele. O talento dessas jovens atrizes é, certamente, um dos trunfos do longa.
Contemporânea, a obra dialoga, pelo menos, com outras três: com Triângulo Amoroso (Drei, Alemanha, 2011), tem em comum a discussão sobre a subversão dos padrões biologicamente determinados sobre sexualidade; com A Pele que Habito (La Piel que Habito, Espanha, 2011), compartilha a proposta de que as identidades de gênero e sexualidade, muito embora possam andar de mãos dadas, não têm, necessariamente, uma relação de causa e efeito; e com Como me Tornei Chaz (Becoming Chaz, EUA, 2011) guarda a discussão sobre a transsexualidade, embora em Tomboy ela se dê de maneira infinitamente mais leve.
A diretora, em recente entrevista, insiste em não ser classificada como militante, embora seu filme anterior, Lírios D’água (Naissance des Pieuvres, França, 2007) tangencie os mesmos temas. Sciamma, entretanto, se compara a Almodóvar (significa?). Apesar desta negação, no ano passado (2011), o filme ganhou o Teddy Bear em Berlim e também venceu o principal prêmio do público do Festival Mix Brasil, em São Paulo. Em sua estreia, o filme foi exibido na capital paulista, Porto Alegre e Juiz de Fora (???).
Como diz o o cartaz de divulgação, “um grande filme feito por adultos, para adultos, sobre crianças”.
Comentários (0)
Faça login para comentar.
Responder Comentário