Um dos recursos temáticos mais utilizados no cinema é a metalinguagem. Inúmeros são os filmes que tratam do cinema, por meio de diversas abordagens. “O Artista” (2011), ganhador do Óscar de melhor filme de 2012, é mais uma bela homenagem à Sétima Arte, de uma forma um tanto quanto original.
A transição do cinema mudo para o cinema falado foi talvez o maior e mais significativo baque da história cinematográfica. O conceito de cinema, bem como a técnica de filmagem e atuação foram sensível e irreversivelmente alterados. Grandes diretores e atores não conseguiram se adaptar bem às novas exigências do mercado e acabaram por falir e cair em ostracismo. Filmes como “Crepúsculo dos Deuses” e “Luzes da Ribalta” (mesmo que não explicitamente) abordam esta temática, mostrando a decadência dos antigos astros. “O Artista”, de forma mais leve e descontraída revolve o tema, em uma elegante homenagem ao cinema mudo.
George Valentim (Jean Dujardin) é uma estrela do cinema que arranca suspiros femininos e cujas atitudes despertam enorme interesse na imprensa, ao lado de sua esposa e seu fiel cachorro. Ocasionalmente, ele acaba por conhecer a aspirante a atriz Peppy Miller (Bérénice Bejo), e, utilizando-se de sua influência, a ajuda a engatar sua carreira. Pouco depois, no entanto, advém o cinema falado, que, contra as expectativas de Valentim, arrebata as plateias e torna-se um estrondoso sucesso. A partir de então, mostra-se o decadente ator afundando-se em dívidas e caindo no esquecimento, concomitantemente à ascensão da bela Miller ao posto de estrela.
A bancarrota de Valentim em função da sua incapacidade de adaptação é bem explicitada no filme. Em uma cena, um Valentim taciturno é interpelado pela esposa, que diante da recusa do marido em discutir, lhe pergunta por que ele não fala nada. Em outra passagem, após ver um sucesso de Peppy Miller no cinema, Valentim é abordado por uma senhora, que brinca com seu cachorro e exclama “if only he could talk!” (se ao menos ele pudesse falar). A sequência mais emblemática talvez seja a da exibição do filme produzido e dirigido por Valentim já em processo de falência, em que a cena final mostra o ator sendo engolido pela areia movediça e desaparecendo para um cinema quase sem expectadores.
O filme mostra de um modo não tão pesado e dramático quanto o habitual a transição entre o novo e o antigo, e a impossibilidade de perpetuação em um meio tão dinâmico e inconstante quanto Hollywood. Valentim, que outrora fora um astro venerado e amado, torna-se um ninguém, perde tudo o que conquistara e é abandonado por todos (exceto pelo seu cão e pela fiel Peppy, que faz de tudo para tentar reergue-lo), enquanto Peppy ascende e faz fortuna nas telas.
Tecnicamente, o filme não deixa a desejar. A fotografia em preto-e-branco é muito bem trabalhada, e a trilha sonora consegue acompanhar bem as tensões e relaxamentos do enredo (inclusive parando no momento propício). A atuação de Berenice Bejo é impecável, mas é Jean Dujardin que arrebata os holofotes, com uma atuação nada menos do que espetacular. O filme é conduzido à maneira dos clássicos do cinema mudo, com os clássicos olhares expressivos e gestos exagerados.
O filme, apesar de tudo, tem um tom otimista, embora por vezes tenhamos situações tensas e os personagens não apresentam grande densidade psicológica. O filme é levado de forma quase cômica. O filme revela-se uma (digna) homenagem ao cinema mudo não só na temática mas na própria maneira de se conduzir, com personagens quase caricatos e um belo desfecho.
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