“Whatever Works”, que foi traduzido como “Tudo pode dar certo”, talvez essa não seja a melhor tradução, mas certamente é uma que condiz demais com o espírito positivo do filme.
O mestre Woody Allen continua o mesmo e, depois da sua estada em outras terras, está de volta a sua amada New York. O mais engraçado desse filme, pelo menos para os fãs ardorosos de Allen como eu, é ele ter descolado alguém que é um acúmulo de todos os papéis feitos pelo próprio diretor. Acho que alguém tão parecido só tinha aparecido no filme Celebridades, o impagável Kenneth Branagah. Dessa vez o pessimista, neurótico e atrapalhado protagonista é o divertidíssimo Larry David, no filme, Boris Yellnikoff, um produto muito bem elaborado de todas as qualidades das personagens de Allen. Com ataques de pânico constantes, TOC – Transtorno Obsessivo Compulsivo e manco devido a um suicídio mal-sucedido.
Quem conhece um nerd sabe de que tipo estamos falando, e quem é um sabe de que tipo de pessoa estamos tratando. Boris Yellnikoff foi indicado ao prêmio Nobel de Física, mas não o conquistou, mas acha muito natural isso não ter acontecido, afinal, os ganhadores são definidos por um complô para fazer aparecer por diversos motivos “algumas” pessoas e não outras. Além do mais, ele classifica todos os outros seres humanos como vermes, são todos seres inferiores a ele, brincando com o arquétipo do nerd que, no geral, tem uma preguiça inexplicável de falar com certas pessoas por falta de vontade de se fazer claro ou simples. Assim é Boris, que evita o convívio social porque não tem nenhuma paciência e não espera absolutamente nada das pessoas.
Saindo um pouco do roteiro, senão acabo contando o filme, derrubando a cereja do bolo, passemos às questões maiores que são discutidas na medida certa no filme. Como, por exemplo, o questionamento sobre a existência de Deus. Temos aqui uma alusão ao célebre pensamento de Ivan Karamazov sobre a fé em Deus. Allen é ateu convicto e mostra isso de várias maneiras em muitas de suas películas, defende que Deus não existe e que, portanto, estamos todos por conta própria. No livro de Eric Lax: “Conversas com Woody Allen”, o diretor diz que fazer a coisa certa por temer a Deus é fácil, mas bom mesmo, para ele, é o sujeito que mesmo sem acreditar em Deus faz a coisa certa, não porque tem medo, mas porque é o certo a se fazer.
Aliás, cabe aqui uma pequena digressão, nem tão digressão assim, as personagens de Woody são um caso a parte sempre, em um universo de gente perfeita, temente a Deus e sem sombra de neuroses que é a constelação hollywoodiana, alguém se atreve a fazer filmes que falam de gente comum e de nerds “estranhos”, aqueles que a sociedade capitalista norte-americana convencionalmente chama de “loser”, perdedores. Estudantes que tratam de questões conceituais não servem para nada, eles não produzem “coisas” com valor imediato, por isso são seres estranhos, pois estão à margem. Boris está dizendo justamente o contrário. Ele chama de vermes as outras pessoas, aquelas que a sociedade glorifica, invertendo os papéis.
Infelizmente, artistas, no geral, têm que lidar com uma transgressão própria do trabalho que executam, na maioria das vezes, é necessário um afastamento temporal para a compreensão por parte do público, este é o problema daqueles que se dedicam aos estudos, em um mundo onde tempo é dinheiro não dá para ficar esperando o tempo passar... Este parece ser o pensamento oficial do mundo hoje.
Mudando o foco mais uma vez, falemos um pouco sobre a própria linguagem do filme. Woody Allen utilizou neste filme um recurso utilizado antes em Noivo neurótico, noiva nervosa, utilizado na literatura por autores famosos como Stendhal e Machado de Assis, o personagem, de repente, encara a câmera e se dirige a nós, espectadores. A demonstração do autor que sua arte só se completa quando o “outro” assiste, o que o espectador apreende e leva consigo é sempre o final do filme, o sentido dele. A boa e velha metalinguagem muito bem adaptada à linguagem cinematográfica.
O filme é um resumo da vida de Boris, há uma atmosfera bem negativa que predomina em boa parte do filme. Aliás, uma das considerações clichês sobre o universo de Allen é que ele aborda temas negativos, não são negativos, são reais porque, pelo que podemos observar no mundo, a verdade é que as coisas não se consertam no final, parece ser bem mais complicado fazer tudo dar certo do que propõe os blockbuster. Woody não é hipócrita, ele não só não ignora a realidade como não está nem um pouco interessado em que aqueles que a ignoram vejam seus filmes.
Sem contar o final, termino dizendo que apesar da realidade ser, às vezes, um tanto perturbadora e que tendemos a nos desiludir muito com os outros seres humanos, existe uma série de coisas que fazem a vida ser ótima. Mesmo calculando tudo, evitando certas coisas e querendo acreditar muito em umas e duvidar muito de outras, nem tudo pode ser previsto, nem tudo está combinado e não é porque Deus tem um plano maravilhoso para cada um de nós que tudo acontece, é porque coincidências acontecem, é porque é preciso viver um dia de cada vez e dar uma chance à vida. A mensagem do filme é, mesmo parecendo impossível que seja isso até o último momento, que por mais que você não acredite ou pense que não vai acontecer, “Tudo pode dar certo”.
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