21 de fevereiro de 1933. Eunice Kathleen Waymon veio ao mundo. Eunice, negra, sexta de oito filhos, começou a destacar-se aos três anos de idade quando iniciou a tocar piano. Dona de um talento incrível, Eunice cresceu estudando piano clássico e seu sonho era ser a primeira mulher negra a apresentar-se no Carnegie Hall. E ela foi! Mas quando se apresentou na sala de espetáculos já não era mais Eunice e nem tocava piano clássico. Ela era Nina Simone e tinha um estilo único que misturava jazz, blues, gospel, etc. Um nome que ficou gravado para sempre na música mundial. E o documentário de Liz Garbus, What Happened, Miss Simone?, traz ao mundo essa belíssima história que, da forma que é contada, é essencial.
...and everybody knows about Mississippi Goddam
Nina começou a sua carreira muito cedo e, desde criança, sofria calada com os preconceitos raciais. Sofria calada cada oportunidade que lhe era negada por conta da cor de sua pele. E todo esse sofrimento que cresce dentro dela, se transforma em música. E um dia essa música se torna política. Nina percebe que não pode mais ficar calada diante de tanto ódio e sua música se transforma em protesto.
É nesse ponto que o documentário é muito feliz, pois, ao tratar da fase ativista da cantora, traça um panorama do que foi a segregação racial nos Estados Unidos. Um panorama bem feliz, com imagens precisas, construído de forma perspicaz, elevando o filme de uma simples biografia a um retrato de uma época, de um pensamento político de um determinado grupo. Ali há uma problematização da questão racial e o que a música de Nina Simone representou para a luta pelos direitos civis dos negros. Com o passar do tempo não só a sua música representava a causa, mas a própria Nina era a personificação de uma luta. Uma luta que divide pensamentos: uma revolução que só se daria por métodos violentos ou aquela que segue os passos de Martin Luther King, onde a paz é a melhor resposta? Não há respostas fáceis e, muito menos, julgamentos aqui.
...just in time you’ve found me just in time
Além das questões políticas que são muito bem problematizadas, a vida pessoal de Nina Simone é tratada com bastante sobriedade e honestidade. Ela conhece o seu amor quando começa a fazer sucesso com a belíssima I loves you, Porgy. O amor de sua vida acaba se mostrando o caminho para o grande sucesso na vida profissional e a grande ruína de sua vida pessoal. Nina conhece a violência familiar, o que reflete em seu piano. Como sua filha, ao apresentar a sua complicada relação com a mãe, diz: Nina é Nina dentro e fora dos palcos, e isso se torna um problema.
Com a morte de Luther King, Nina se vê completamente desmotivada a continuar a lutar pelos direitos civis dos negros e se muda para a África, vivendo, o que ela considera, os seus anos mais felizes. É a partir daí que a vida dessa grande mulher começa a desmoronar. Mais tarde iria ser diagnosticada com transtorno bipolar, movendo-se de cidade em cidade, em busca de um recomeço. A transferência da violência sofrida por anos reflete na relação com a filha, muito bem explorada no filme, novamente, sem julgamentos, o que é o maior mérito que pode conseguir: a construção de uma vida tão complexa que, se feito por mãos inexperientes, seria esvaziada.
...it’s a new life for me and I’m feeling good
A complexa carreira de Nina Simone é muito bem explorada ao longo dos cem minutos de duração e, além disso, o contexto histórico é muito bem trabalhado elevando o filme a uma obra fundamental que, se o tempo permitir, ficará na história. Ademais, a compreensão do que foi a obra desta preciosa artista fica mais completa quando conhecemos o contexto em que as canções surgiram. Sua vida pessoal não pode ser dissociada de seu trabalho, pois a própria Nina parecia não compreender as fronteiras entre carreira e individualidade. Afinal, o que aconteceu, Nina Simone?
Publicado originalmente em: http://www.portalcritico.com/2015/07/critica-what-happened-miss-simone-2015.html
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