A noite do segundo dia da 10ª Mostra de Cinema de Ouro Preto começou com a primeira exibição da nova restauração empreendida pela Cinemateca Brasileira, em conjunto com o laboratório L’Immagine Ritrovata, em Bolonha na Itália. O restauro faz parte da primeira seleção de clássicos mundiais da World Cinema Foundation, idealizada por Martin Scorsese. O processo todo priorizou as cores originais do filme, sem um processo de “modernização” do preto e do branco (como o representante do laboratório explicou antes de sua exibição), deixando experiência ainda mais avassaladora.
Limite é um filme de imagens fortes e impactantes. A primeira cena é de uma beleza e sensibilidade que, em menos de cinco minutos de exibição, deixou-me emocionado. Uma mulher, que não conhecemos ainda, nos encara fixamente, e em sua frente, correntes prendem dois punhos masculinos cerrados. A experiência sensorial de Limite começa aí, provocando o espectador a pensar diante os aprisionamentos de sua própria existência. Logo mais, em uma cena longa e poética conhecemos as três personagens da trama, duas mulheres e um homem, à deriva em um barco. O seu passado recente e suas memórias se misturam ao seu presente, em uma situação limítrofe onde a morte está cada vez mais próxima.
É notável ao longo de todo o filme a beleza e poesia de todas as suas imagens, as quais um simples texto não daria conta de abarcar. A montagem da obra de Mário Peixoto é tão sofisticada que permanece atual. Algumas rimas visuais em sua obra são impactantes como, por exemplo, a roda de um trem que se transforma em uma roda de uma máquina de costura, onde o tempo caminha para frente juntamente com o trem e, paradoxalmente, em círculos, sem sair do lugar, como a máquina de costura.
Toda a obra é um intenso caminhar, uma estrada na vida e sentimento de todos os personagens, desesperados, em uma situação de angústia tão grande que os limites de sua subsistência são testados. As portas, sempre fechadas (ou se fechando) ao longo do filme vão evidenciando o caminho das personagens que sofrem, que estão em desespero com seu cotidiano e não tem mais para onde correr. E o peso do relógio é demarcado em cada passo, cada caminhada, em cada subjetiva que roda, roda, roda e não sai do lugar. Porque em Limite, o tempo não corre mais um, mais um... e sim menos um, menos um... Então, em seu desfecho, percebemos novamente o quanto estamos aprisionados até que um dia a existência humana é engolida por abutres.
Publicado originalmente em: http://www.portalcritico.com/2015/06/critica-limite-1931
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