"Quem vamos ter pra hoje?
Quem vai ser? Quem, o prato do dia?”
Vivemos hoje em um mundo mediado. No caso específico da comunicação, a informação que nos chega não é pura, de alguma forma ela foi mediada por algum veículo, seja este a televisão, o jornal impresso ou até mesmo um vídeo no Youtube. Alguns exclamam veementemente: “Mas a obrigação de um veículo de comunicação é nos trazer uma informação imparcial!”. Neste ponto eu discordo dos utópicos; a imparcialidade, caros, é uma ilusão. A partir do momento que alguém processa alguma informação e a transmite, esse alguém já vai transmitir de acordo com a sua experiência, seu modo de ver o mundo. Temos aí uma mediação, um dos inúmeros temas que são levantados pelo ótimo filme do estreante na cadeira de direção, Dan Gilroy.
O Abutre nos leva a conhecer o jovem Louis Bloom (Jake Gyllenhaal, irreconhecível), que passa por dificuldades em encontrar um emprego. Certa noite, por acaso, ele entra em contato com um freelancer que cobre acidentes e crimes na noite de Los Angeles. Bloom, com sua mente empreendedora, vê aí uma grande oportunidade: se tornar um jornalista criminal independente. Para que o sucesso chegue rapidamente, o método seguido é sempre o de correr atrás de acidentes chocantes, crimes, roubos e, ao registrar tudo, vender às emissoras de TV interessadas nesse tipo de material.
O que logo salta aos olhos é a transformação física de Jake Gyllenhaal. O ator está extremamente magro e com um aspecto cadavérico, tudo isso para a composição do personagem que age, metaforicamente, como um abutre atrás de carniça. A partir do momento em que vamos conhecendo a fundo quem é Louis Bloom, podemos perceber quão acertada é a escolha do ator. Gyllenhaal encarna um personagem profundo, frio, manipulador, fazendo desta uma das melhores atuações de sua carreira. Somado a isso, uma espetacular fotografia e clima de suspense que, imediatamente, nos remete à Taxi Driver do mestre Scorsese.
Em seu roteiro afinadíssimo, como disse anteriormente, muitas discussões são levantadas. Entre elas, está inserida a crítica a telejornais que se apoiam em matérias sensacionalistas para conseguir audiência. É justamente para essa categoria de programas que o personagem principal vende os vídeos que faz (vale ressaltar que nem sempre de maneira honesta). E nesse círculo vicioso de quem produz e quem consome o sensacionalismo, já não sabemos mais onde é o começo e onde é o fim; não sabemos se é a mídia que começa vendendo ou se o espectador que cada vez mais consome. E no meio das manipulações de cenas, do jornalismo feito a partir de rumores, da espetaculização dos fatos é que percebemos o mundo mediado em que vivemos. Podemos confiar na mídia? Devemos ter uma visão catastrófica dela, como nos alertaram os pensadores da Escola de Frankfurt?
A grande sacada do filme é justamente nos fazer questionar, não oferecendo nenhuma resposta. O longa levanta questões polêmicas e necessárias de serem discutidas sem jamais apresentar soluções fáceis, deixando toda a reflexão por trás do poder da mídia a cargo do espectador. Um grande filme que merecia muito mais do que o pouco destaque que teve na safra de produções do ano de 2014.
Originalmente publicado em: http://www.portalcritico.com/2015/03/critica-o-abutre-2014.html
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