Lone Scherfig equilibra poesia e verossimilhança em drama acima da média
Primeiro de tudo peço que todos façam um teste totalmente válido para lidar com as propostas abrangidas por Um Dia, porém indubitavelmente, irreal. Escolha um dia de sua vida, de preferência que lhe represente algo marcante. Agora imaginem observar esse mesmo dia numérico nos vários anos decorrentes de sua vida. Aqui no longa, é o dia 15 de Julho, compreendido na década de 80 até os dias atuais, que narrará os acontecimentos do cotidiano de Emma (Anne Hathaway) e Dexter (Jim Sturgess).
Baseando-se em seu próprio livro (escolha interessante por parte dos produtores) David Nicholls estrutura seu roteiro de forma bem sucinta, levando até o fim sua premissa de abordar apenas acontecimentos do dia 15 de Julho. Então será comum percebemos certos ‘furos na história’, mas que obviamente se tornam figuras motoras ativas da narrativa de Um Dia. Ou seja, não temos as respostas – pelo menos não instantaneamente – do destino de determinado personagem, afinal, só saberemos o que realmente aconteceu quando este for mencionado (seja com palavras ou fisicamente) em um, dois ou até três anos depois. Perceba o quão esta estrutura se torna articulada e eficaz, principalmente por cair nas mãos de uma diretora que já demonstrava extrema sensibilidade, a dinamarquesa Lone Scherfig. Vindo de um grandioso trabalho no excelente Educação, Lone concentra-se em passear com sua câmera pelo maravilhoso cenário que as locações na Inglaterra, e principalmente Escócia, lhe proporcionam, demonstrando extrema delicadeza ao, por exemplo, contrastar a personagem de Hathaway trabalhando como garçonete em um modesto restaurante, com o de Jim Sturgess em um programa televisivo de grandes proporções. Assim, vale destacar consequentemente o trabalho de fotografia de Benoît Delhomme (O Menino do Pijama Listrado) que nessas passagens especificamente, utiliza paletas sempre contrastantes (cores fortes X azuladas), padrão, aliás, que faz questão de ser seguido durante todo o percurso dos personagens.
Voltando a diretora Lone Scherfig, é com imensa fluidez que a mesma comanda seu elenco – com eficiência semelhante a que alcançara em Educação, ao expor a maravilhosa Carey Mulligan. Aqui todo o arco dramático se torna flexível muito graças às ótimas atuações de Hathaway e Sturgess. A primeira, que entrega possivelmente uma de suas melhores performances (ao lado de O Casamento de Rachel) consegue levar até o último instante a figura da garota envergonhada, que se veste estranho e com seus óculos circulares, tendo a proeza de tirar, ou ao menos diminuir, toda sua sensualidade, que convenhamos, para a futura Mulher Gato não deve ser algo fácil. Como também, ao invariavelmente soltar suas piadas nitidamente britânicas, que com o tempo, já conseguimos associar como um traço forte em sua personalidade, um fundamento que a meu ver, sintetiza o sucesso de sua atuação. Obviamente que sem o mesmo brilho, Jim Sturgess (Quebrando a Banca) constrói um Dexter altamente crível, ao relatar, por exemplo, com extrema naturalidade uma frase absolutamente dura em seu conteúdo: “Só queria dizer que senti o mesmo, depois daquela noite. Não escrevi poemas ou coisas do tipo. Sou normal. Mas pensei em você. Penso em você. Em nós. O problema é que quero todo mundo. Qualquer um. É como se tivesse acabado de sair da prisão. O tempo todo. É só sexo. Apenas sexo.”, porém ‘leve’ em sua forma, ao ponto do ‘galã’ nem ao menos perceber o quanto ele feriu sua amiga.
Um Dia é uma produção que faz questão de passear por sua verossimilhança, ou seja, não se rendendo completamente aos moldes românticos, conseguindo injetar dramaticidade (forte) e palpável, porém nos permite juntamente fazer uma alusão metafórica do real significado de se pegar um dia do ano como uma resenha introspectiva de personagem. Entretanto, apesar do equilíbrio em modo geral, é nesse ponto que o longa escorrega, ao limitar esse lirismo apenas ao consciente do espectador, principalmente pela terrível escolha de, com caracteres, destacar sempre a data dos acontecimentos (‘15 de Julho de 2005, 06, 07…’) como se já não tivéssemos realmente entendido que tudo se passaria neste determinado espaço de tempo. Então além de expositivos, esses caracteres – não eles em si, mas sua importância narrativa – nos fazem contestar a realidade dos acontecimentos, afinal, soa como uma coincidência muito artificial que tantas situações importantes aconteçam justamente nestes dias. Apesar disso, consigo aceitar e relevar, já que Nicholls ainda tenta acrescentar situações em seu roteiro que ‘mascarem’ essa ocorrência constante nos dias 15s das vidas de Emma e Dexter, fazendo assim com que eu possa interpretar Um Dia como uma das muitas poesias escritas pela personagem de Anne Hathaway. E cinematograficamente, um drama bem acima da média.
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