"O senhor sabe bem que nessas terras quem é 'filho de' tem alguma coisa, mas quem é 'filho da' não tem nada, não".
Não é fácil falar sobre "Joaquim".
De pretensões nada modestas e resultado irregular, o filme de Marcelo Gomes triunfa, no fim das contas, por alcançar máxima potência em seu desfecho catártico, quando abraça de vez o tom farsesco e a ironia sem abrir mão do peso dramático, numa das cenas mais significativas do cinema brasileiro recente, que deságua num fade out certeiro como poucos.
Antes disso, porém, "Joaquim" abriga em si, lado a lado, acertos de rara felicidade e fragilidades igualmente notáveis.
Desde o início da projeção, a la Brás Cubas, fica claro que a intenção dos realizadores passa longe de ser a glorificação da figura histórica de Tiradentes, subvertendo a linguagem e a estrutura convencionais das cinebiografias para narrar um recorte de tempo específico na vida do seu protagonista. O interesse, aqui, é estudar o Brasil e suas estruturas de poder a partir da tomada de consciência e da revolta do "homem médio", e isso o filme faz bem demais.
O problema é que o miolo da projeção é marcado por uma jornada que, embora seja fundamental para o desenvolvimento da personagem-título, carece de senso de continuidade e falha em situar o espectador no tempo e espaço diegéticos, o que, aliado a alguns problemas técnicos de som e de câmera - a câmera na mão ora tem função narrativa importante, investigando espaços e pontuando o estado mental das personagens, ora soa apenas como um tique irritante que desvaloriza a beleza da fotografia -, tem o potencial de afastar muita gente do filme em seu segundo ato.
Aos resistentes, porém, a recompensa é gratificante.
É que, como já havia adiantado, o roteiro, que é o grande tesouro de "Joaquim", guarda o que há de melhor para o fim, bombardeando de maneira articulada o espectador com texto e subtexto que abordam de maneira certeira questões espinhosas como a importância das experiências concretas para a tomada de consciência política e, ao mesmo tempo, a insuficiência destas, já que a raiva, em seu estado mais primal, é facilmente manipulável; o perspectivismo no enfrentamento das opressões - é particularmente interessante notar como personagens em posições distintas na estrutura de poder têm percepções e tipos de revolta distintos; o vício inerente às relações, mesmo as afetivas, marcadas por uma lógica de poder preestabelecida; e tantos outros.
Mas "Joaquim" é, antes de tudo, um filme que, com todos os problemas em sua execução, sabe que o Brasil é um país de donos em que passado e presente dialogam de maneira vergonhosamente fácil de notar.
Afinal, como diria o barbudo, a história se repete: a primeira vez, como tragédia; a segunda, como farsa.
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